UMA DERROTA PARA PENSAR
O PT NÃO SAIU DERROTADO dessas eleições, como alguns colocam, e nem vitorioso, como outros. Saiu mais ou menos como entrou. A aprovação de Lula bateu na estratosfera justamente porque o brasileiro começou a vê-lo como um "Chefe de Estado" (ou, para arrepiar todos os jornalistas: como um estadista), acima das disputas partidárias e atuando como "árbitro" dos conflitos políticos. Por mais que os neocons da mídia ultraconservadora tentem pintar Lula como um chefão de uma burocracia partidária que quer se apossar do Estado, a imagem não colou sequer entre a classe média mais cautelosa com o PT (a mesma mídia que tacha certa esquerda de "anacrônica" vive no exato mesmo tempo atrasado). Mesmo os mais exaltados, hoje em dia, reconhecem a autoridade de Lula - que o coloca acima dos partidos (posição que FHC ocupou apenas nos últimos instantes do mandato, quando fez a transição de governo). A aprovação de Lula, por isso, não tinha como se transferir diretamente aos candidatos do PT. A aprovação é de Lula Presidente, do "estadista" Lula, não do "governista" Lula (ou menos ainda do "petista" Lula).
Dito isso, fica claro que o PT atingiu um patamar médio que se transmite a quase todas as cidades: algo entre 35 e 40% do eleitorado. Esse é o eleitor fiel da esquerda, aquele que vota no PT independente do candidato e da conjuntura política. Foi o eleitor de Martha Suplicy e Maria do Rosário.
Se observarmos as conversas cotidianas em bares, restaurantes, ônibus e filas de banco, podemos constatar que não está mal essa fatia. Via de regra, o senso comum é conservador. Portanto, sair do patamar de 40% não está nada mal. Entre as democracias mais antigas nenhuma é predominante de esquerda. A direita sempre sai com vantagem, justamente porque ao lado dela está o senso comum e, com ele, o conservadorismo. É tarefa da esquerda sempre reverter essa tendência desfavorável.
Em Porto Alegre, a estratégia para essa reversão foi falha. Primeiro, pela aposta das esquerdas em repetir a estratégia que tirou o PT do poder: lançar tantas candidaturas quanto possível e atacar o Governo por todos os lados. Não deu certo. A ameaça de Manuela no segundo turno desgovernou a campanha de Maria do Rosário e criou um processo autofágico. Quanto ao PSOL, é um partido não-fisiológico, ao contrário dos seus simétricos (do ponto de vista quantitativo-eleitoral) da direita (PTB, PSDB, PPS, DEM, PP), capazes de se unir sempre em qualquer circunstâncias (a política do Governo do Estado é o mais claro exemplo: somos governados pelo mesmo grupo político há anos - é ele, e não a Dama de Ferro, que nos comanda). Com isso, a fratura no primeiro turno prejudicou - e não ajudou - a esquerda. A única chance que eu via, desde o início, de desbancar Fogaça era uma chapa com Maria e Manuela. O narcisismo do PT e a ambição de Manu impediram a vitória.
Segundo, a campanha do PT viu como única chance a "colagem" da imagem de Lula. Não deu. O Presidente preferiu ficar na sua posição de estadista e não se envolver, inclusive para não criar atritos com o PMDB. Curiosamente, por aqui no RS o PMDB é o rival que ocupa o lugar do PSDB na contraposição ao PT - como ninguém fala disso? - basta ver que Antônio Britto, Germano Rigotto e José Fogaça são peemedebistas. Então, foi uma aposta errada querer colar a imagem em Lula (isso deveria vir como "bônus").
A estratégia deveria ter sido confrontar projetos em amplitude. O PT deveria ter se mostrado como esquerda de Fogaça, ter partido para a rinha ideológica mesmo, mostrando-se como o partido dos "sem". Isso sim poderia ter despertado a militância adormecida e feito um "milagre" como a eleição de Olívio Dutra em 1998. Preferiu, no entanto, jogar o jogo de Fogaça, comparando o número de postos de saúde construídos - afundou na mesma mediocridade do nosso vencedor. Deveria ter se posicionado à esquerda em questões polêmicos como flanelinhas, moradores de rua, camelôs, carroceiros, orçamento participativo, ter confrontado prioridades e apresentado Fogaça como o candidato dos ricos porto-alegrenses (grosso modo, é o que ele é).
No RS, o PT passa por uma crise aguda. Perdeu eleições e não sabe por quê. Eu digo: falta renovar-se enquanto esquerda, sair da opção entre esquerda hardcore-marxista (turma do Rosseto, Olívio e Pont) e esquerda light-não-sei-o-que-penso-vou-com-Lula (turma da Maria do Rosário e Tarso Genro). Isso pode custar uma eleição, mas ao mesmo tempo faz retornar a credibilidade do discurso. É a conjuntura do momento - os candidatos, o clima político e a gestão da prefeitura - que irá decidir, ao fim e ao cabo. O fato é que não dá mais para apostar nos "´fiéis". Eles são minoria e, de regra, a esquerda sempre será.
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