EXERCÍCIOS FILOSÓFICOS
UMA DAS COISAS MAIS difíceis para o estudioso em filosofia engolir é quando os pensadores contemporâneos dizem que a ontologia foi engolida pela linguagem, ou seja, de que é impossível construir uma ontologia sem passar pela questão lingüística (ou linguageira) enquanto formadora de mundo.
Estava explicando aos meus alunos a teoria de Norbert Elias sobre o conceito de sociedade - sociedade é uma relação, e não um ente ou simplesmente algo que é redutível à vontade de indivíduos - e dei o exemplo de como não temos mundo sem as palavras. A crença metafísica deles era que a linguagem era transparente, funcionando apenas como "espelho da realidade", como tradicionalmente se imagina. Foi difícil - se é que consegui provar - que a linguagem não é apenas um "detalhe", mas quase tudo, que não existe o "mito do museu" (Quine) e que é impossível para nós sabermos se os alemães sentem a mesma "saudade" que nós sem ter a palavra "saudade" (inescrutabilidade - Quine e Davidson). Tendemos realmente a acreditar na "linguagem privada", como se coisas tipo o "amor romântico" ou "criança" não dependessem essencialmente de invenções humanas.
Creio que a lição de Heidegger sobre a abertura do ser, se bem a entendi, nesse caso é imbatível: o ser está aberto e oferece a linguagem enquanto morada, mas sem que esse ser se entifique em "simples-presença", tal como concebem a ciência e o cartesianismo. A arte, por exemplo, é uma forma de abrir novas dimensões de relação com o ser. Só isso é capaz de explicar porque o penico de Wahrol se transformou em arte, apesar de ser um mero penico - ou, de outra forma, como a arte também é experiência de verdade.
O problema é que sempre sobra o inefável - irredutível à linguagem e à ontologia - esse Outro que nomeamos "alteridade". Agamben escreveu belas linhas sobre como as tonalidades emocionais do fetiche e da melancolia se relacionam com o inefável justamente enquanto não conseguem capturá-lo. E Levinas fundou sua ética sob o pressuposto de que o Outro é inefável e, por isso, é pura violência investigá-lo à luz da ontologia, que não é capaz de capturar essa alteridade irredutível a esquemas intelectuais. Em vez disso, Levinas propôs que lidássemos com essa alteridade de forma distinta: nos relacionando com ela, respondendo às suas interperlações, libertando-a do nosso intelectualismo. É assim que compreendo a idéia de "ética como filosofia primeira", que não é primeira no sentido de intelectualmente fundante, e sim de prioritária, fundamental. Com esse passo, Levinas se desloca praticamente para fora da filosofia (ou do logos), chocando-a com algo que não é ela (a ética).
A única chatice foi ter que provar que isso nada tem a ver com relativismo.
Afinal, relativismo é uma palavra que só faz sentido dentro do cartesianismo (na epistemologia) ou dentro da ética posta em termos kantianos (de deveres inscritos na razão). Hoje em dia, acho que a palavra "relativismo" é um total contra-senso que serve apenas como palavra de choque para hesitar diante da virada paradigmática pós-metafísica ou do fato de se ter colocado a ciência no seu devido lugar, tirando-a do posto (mítico) de saber fundante e concentrador de todo sentido do ser.
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