Mox in the Sky with Diamonds

segunda-feira, setembro 22, 2008

"ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA", JOSÉ SARAMAGO (O LIVRO)



E SE NÓS VIVÊSSEMOS em uma situação-limite, em um "estado de exceção"? E se nós caíssemos em uma situação aterradora em que todos os atos parecem estar no fio-da-navalha? E se, por acaso, as coisas exigissem de nós uma resposta imediata e absolutamente decisiva - incisiva? Acreditamos piamente em olhos que não vêem, deliram olhando para dentro sem contatar com o fora de si mesmos. Conversamos com nossos próprios conceitos mentais - nossas representações - sem tomar real contato com o que está fora de nós - sem vislumbrar o Outro, no sentido mais exterior possível, como o propriamente inefável.
E se nos privassem dos olhos? E se não pudéssemos mais ver? Ora, a primeira coisa que constataríamos é que possivelmente pela primeira vez entraríamos em contato com o real. Um real tão bruto e apavorante que muitas vezes exige um SIM ou um NÃO instantâneo, decisivo, incapaz de voltar atrás como a tesoura na garganta do terror. O paradoxo é que os olhos nos cegam, nos tornam incapazes de perceber a concentração infinita de real que se apresenta a cada instante diante de um atabalhoado - ou, como diria Juriká, alucinado - ser que se afoga dentro do si mesmo.
A experiência do campo é essa experiência-limite, abre um buraco negro na representação e suga para dentro de si qualquer imagem que tente a representar. É o vazio da palavra, a impossibilidade de Dizer, ou melhor, o Dizer que só existe fora do Dito, em pura potência, sem que jamais possa transformar-se em algo dizível, pois a vida ali foi extirpada. O campo é a experiência do limite, o momento do tempo qualitativo da história, como nos ensinava Benjamin, ou ainda o "Dia do Juízo Final", ou seja, todos os dias, como nos ensina Agamben no seu belíssimo "Profanações".
A ninguém é permitido avançar mais um instante sem perceber que os olhos são a verdadeira cegueira, a representação não é o mundo; o mar, como dizia Sartre, não é apenas uma película verde que se apresenta visível, mas um buraco escuro cheio de animais; enfim, a vida é a cada momento única e irrepetível, cada momento por si só uma chance que pode ser agarrada ou deixada de lado pela ilusão da cegueira-que-vê.

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