Mox in the Sky with Diamonds

terça-feira, agosto 26, 2008

EU E AS COISAS

HEIDEGGER rompeu com a filosofia tradicional quando contestou o intelectualismo que colocava a relação de cognição como fundamento da existência. Nossa relação com o mundo, dizia o alemão, excede a cognição: estamos embarcados por completo no mundo, nos relacionamos com ele de forma muito mais intrínseca e envolvida do que pressupunham os intelectualistas pós-cartesianos, dividindo o sujeito do objeto. Heidegger fala então da "manualidaade" ("prestabilidade", "estar à mão", zuhanden), relação que é primeira em relação a de sujeito e objeto. A cadeira que sento não é prego, madeira e ferro, mas primeiramente uma cadeira, um instrumento no mundo que construo. Essa relação -- muito mais ampla que a de cognição -- é que estrutura as demais e da qual o pensar apenas faz parte (pensar o ser já é ser).
Toda essa introdução para dizer que me relaciono muito mal com as coisas. Meus instrumentos estão permanentemente em revolta contra mim. Carro, celular, computador, violão, chave, chaveiro, caneta, tapetes, plugues, enfim, toda essa parafernália que cada vez mais aumenta se degrada quando entra em contato comigo. Não sei o que se passa. Aliás, tenho algumas hipóteses, dentre as quais uma combinação embaraçosa entre preguiça, distração e tendência ao desastre. No entanto, fato é que parece haver alguma coisa especial contra mim.
A quantidade de vezes que eu deixo cair as coisas é inacreditável. Meus celulares, coitados, só podem ser resistentes, sob pena de não durarem mais que um mês. A quantidade de vezes que derrubo café, chimarrão, coca-cola e cerveja (bêbado, então, nem se fala) é absurda. As coisas parecem escapar das minhas mãos como se quisessem fugir do mau dono. Se desprendem de mim e estão nos lugares mais inapropriados sempre. Está colocando a tomada atrás da cama, que dá um trabalho arredar, pode ter certeza que quando se ajoelhar irá amassar alguma coisa, quem sabe quebrar.
Eu e as coisas não estamos muito bem. Nossa relação de "estar à mão" anda da pior forma. Sou mais meus vestígios que minhas intenções.

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