Mox in the Sky with Diamonds

terça-feira, julho 08, 2008

TRÂNSITO É TUDO

Em São Paulo, o noticiário coloca o trânsito como a pauta central dos candidatos à Prefeitura. Em Porto Alegre também discute-se trânsito (especialmente o metrô), mas com menos intensidade.
Creio que o trânsito é o aspecto central das nossas sociedades contemporâneas. Um dia, quando tiver tempo e mais pesquisa, escreverei um livro que se chamará: "Trânsito".
O trânsito é a melhor metáfora da nossa era.
Primeiro, porque cada indivíduo está absolutamente isolado de seu entorno, protegido por um tanque de metal totalmente lacrado (no caso dos mais ricos, blindado) e muitas vezes invisível ao exterior (vidros com película). No trânsito não há contato humano. O motorista está protegido por uma capa de metal que inviabiliza o contato ou por um acelerador que pode disparar depois de uma ofensa. Essa capa de metal também é projeção do seu ego narcisista, cheia de incrementos e polida para brilhar, quando não presente caixas de som que explodem os tímpanos de todos os circundantes.
Segundo, porque o trânsito é o reflexo do individualismo sob o ângulo do egoísmo. Todo mundo tem razão, cada um tem suas prioridades. O individualismo é selvagem, eu corro o máximo que puder e ultrapasso todos os possíveis porque tenho muita pressa. Os demais que se fodam. Ultrapasso pela direita, vou pelo acostamento. Estamos em plena lei das selvas, em que dar lugar a alguém resulta em buzina do carro atrás, pedir para passar é sonhar em demasia, para ocupar um lugar tenho que invadir a pista do outro. No trânsito, a subjetividade autocentrada contemporânea, incapaz de estabelecer o contato humano e preocupada apenas consigo mesma, encontra o seu habitat natural.
É também sob a batuta da lei das selvas que cada um descarrega no outro toda sua raiva e frustração. A agressividade de buzina, de ofensas diretas e às vezes até manobras de revide mostra uma sociedade tremendamente ressentida. É no trânsito que perde todo o sentido a distinção "cidadão de bem" contra "bandido", pois todo mundo se torna um agressivo e violento, até as mulheres.
O trânsito é ainda reflexo da velocidade das sociedades pós-modernas. Ritmo frenético, pressa constante intercalada com engarrafamentos gigantescos e tensão para chegar ao lugar pretendido. Tudo contribui para o estresse. Esse indivíduo estressado não tem mais tempo para refletir e meditar, vive absorvido num fluxo constante que o impede de parar por um segundo e, paradoxalmente, impõe-lhe uma ausência completa de pensamento. É o "ativo estagnado" contemporâneo.
Derivado desse estado de nervos, o motorista, blindado no seu tanque de guerra que é o reflexo ambulante do condomínio fechado em que vive e da sua ostentação ofensiva, é incapaz de olhar o outro que está ali diante de si. Flanelinhas, pedintes, moradores de rua, carroceiros, ciclistas, pedestres e todos aqueles que atravancam o desenrolar narcísico da sua viagem são vistos como obstáculos que devem ser destruídos. Daí a intolerância dos nossos dias.
Por fim, o trânsito é também espelho do nosso desenvolvimento: fabricamos mais, consumimos mais e jogamos mais carros fora sem existir sustentabilidade para isso, causando a destruição da nossa casa (o Planeta Terra) e a incapacidade das cidades de agüentarem esse fluxo.
Quem, no entanto, ousa parar?

Marcadores: ,