Mox in the Sky with Diamonds

quarta-feira, maio 28, 2008

JULGAMENTO DAS CÉLULAS-TRONCO É HISTÓRICO, MAS NÃO PELOS MOTIVOS QUE A MÍDIA NOTICIA

O julgamento agora suspenso do STF sobre a constitucionalidade das pesquisas em células-tronco é histórico, mas não por ser uma luta entre obscurantistas fanáticos contra cientistas esclarecidos, do atraso religioso contra o progresso "iluminado". É histórico por ser uma oportunidade de o STF marcar posição contra o automatismo do progresso.
Não significa que eu seja contrário às pesquisas. Até sou favorável. Mas é hora de deixar claro que o "progresso" da ciência não é algo neutro, insuscetível de problematização e incontestável. Experimentos com cobaias humanas, aquecimento global, bomba atômica e armas químicas são exemplos de "progressos" científicos.
O que nós deveríamos ter aprendido é que o "progresso" é simplesmente um mito. Um mito que reduz a experiência humana ao mundo técnico, confundindo a aptidão de "controlar" e "predizer" com a totalidade existencial do homem no mundo. O humano não se reduz ao científico. A dimensão ética, sem referir outras, é independente da ciência. É bem possível que argumentemos contra a ciência sem argumentos científicos, e isso nada terá de irracional. A ciência não esgota a totalidade da experiência do homem no mundo, repito. Heidegger, Adorno, Derrida e Rorty eram filósofos que não cansavam de advertir isso. Não há nada de especial no científico que o coloque acima de qualquer outro patamar, que não seja simplesmente o fato de que o técnico serve a alguma coisa, mas não tudo.
O "progresso" científico não é neutro; busca valores. Entre eles, o domínio da natureza -- ou o controle e a predição, para falar com Rorty. Esse "domínio" não justifica qualquer coisa. Isso não pressupõe -- nem seria o meu caso -- a crença em um ente sobrenatural que governaria nossa existência. Significa apenas fazer, como diz Edgar Morin, "ciência com consciência".
O julgamento do STF é histórico apenas nesse sentido: pode estancar a hegemonia automatizada do discurso científico ou apenas confirmá-la. O momento mostra que esse domínio estratégico do discurso [científico] é simplesmente uma questão de poder, e Foucault cai como uma luva para provar como a verdade tem seu regime de poder. Os cientistas querem uma explicação "científica" para não pesquisarmos. Não há. Nem pode haver. A ciência não dá essas respostas. Não pertence à sua racionalidade de predizer e controlar.
De qualquer forma, o julgamento já é histórico por marcar um momento de burrice da mídia em geral. A oposição obscurantista-atrasado/cientista-iluminada é o único esquema binário que permeia todas as análises do caso. O que não explica porque o placar está empatado. Todos viraram carolas?

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