Mox in the Sky with Diamonds

sábado, março 01, 2008

OS DIREITOS INQUESTIONADOS

Lendo sobre a tal pesquisa das células-tronco a partir da cobertura absolutamente superficial feita pela mídia em geral, que só sabe tachar de "obscurantista" quem é contrário, fico sempre pasmo sobre algumas coisas.
Uma delas é a pretensa inquestionabilidade do "progresso" da ciência. A ciência parece ser uma linha evolutiva que atua sempre para frente, como se não dependesse mais dos nossos movimentos e fosse simplesmente algo natural [por isso gosto de Rorty quando assina um paper com o título: "A ciência natural é um gênero natural?"]. É incrível, e nisso gente como Heidegger e Adorno tinham toda razão, como o pensamento técnico está encravado como se fosse a única dimensão da humanidade, como se não houvesse valores em jogo, como se tudo fosse absolutamente neutro.
Vamos pegar os progressos, por exemplo, na medicina. Com uma frase, acredita-se ter esgotado todos os problemas éticos que porventura surjam: "isso vai ajudar a tratar muitas doenças". Ah, sim, que bela inocência! Existe algo mais inocente que isso -- curar doentes? Quem pode ser contra isso? Ou ainda: "isso vai ajudar muitas mulheres a poderem engravidar". Ora, quem com coração pode questionar o direito das mamães terem bebês?
Por trás dessa pretensa inocência há muito a ser discutido. Os médicos e pesquisadores se sentem, realmente, na condição de quase neutralidade, tal a pretensa inocência do que fazem. Mas nós temos que começar a perguntar: será que, em qualquer circunstância, é bom curar doentes? Ou será que existem situações em que uma pesquisa pode trazer tantos prejuízos do ponto de vista ético que talvez não valha a pena? Até onde vai o nosso direito de usar animais como cobaias? Será que a morte é um mal, como parece pensar 99% da nossa população? Temos direito de fugir da morte a qualquer custo? Não somos seres-para-a-morte?
Será que as moças tem sempre o direito de engravidar? Ou existe um componente trágico [no sentido de Nietzsche] na existência que às vezes tem que ser aceito? Será que vale arriscar a clonagem para as mamães terem seu baby? Ou será que elas não têm algo mais à mão, por exemplo a adoção?
Não tenho nada contra a tecnologia. Mas qualquer, qualquer um mesmo, discurso envolve valores e decisões éticas. A ação humana, mesmo a mais pretensamente neutra, está sempre carregada de uma dimensão de decisão ética. Os médicos não podem fugir dela. E, em termos de ética, eles não têm a vantagem que têm em termos de técnica. Seu preparo é para técnica. Precisamos ser mais democráticos nisso.

Marcadores: