OBAMA E RORTY
Richard Rorty, um dos mais importantes filósofos do século XX, morreu ano passado. Preocupado não apenas em enfrentar problemas de epistemologia e "traduzir" para os seus colegas da filosofia analítica as sutilezas do pensamento "continental", especialmente após Nietzsche e Heidegger, Rorty também enveredou em torno de problemas concretos da política norte-americana.
Sua tese principal era de que a esquerda norte-americana se perdera desde a Guerra do Vietnã, cindindo-se dos operários e perdendo suas maiores reivindicações*. Rorty via nos ideais social-democratas de John Dewey e na implementação do new deal uma típica política de esquerda, bem distante do que os liberais defendiam. Embora não fosse propriamente contrário aos movimentos de minorias, que via como estratégia razoável para diminuição do sofrimento e da crueldade nas nossas relações, Rorty acreditava que houve uma "perda de foco" na esquerda cultural, apoiada em Foucault e Derrida e militante nas universidades. Para ele, era necessária uma reunificação da esquerda em torno da próprio espírito norte-americano.
Uma política de esquerda, assim, seria a que -- em oposição em conservadorismo da direita -- consideraria a identidade norte-americana em permanente reconstrução, sem jamais fixar-se. Políticas culturais -- como voltadas para problemas de feminismo, racismo, etc. -- ficariam abrangidas por estratégias gerais de melhorias de vida dos desfavorecidos.
Ouvindo o discurso de Obama, tenho certeza que Rorty o estaria apoiando.
Obama nega-se constantemente a se assumir como representante dos direitos civis dos negros, utilizando-se sempre, como Rorty dizia, a unidade norte-americana em torno de uma espécie de cidadania constitucional, ou da "religião civil" democrática. A proposta de publicizar a saúde, por exemplo, soa bastante rortyana.
Pena que, por um câncer, Rorty não tenha podido sorrir ouvindo seu provável candidato.
* Sobre o tema, o principal livro é "Achieving our country", aqui traduzido como "Para realizar a América".
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