Mox in the Sky with Diamonds

segunda-feira, março 06, 2006

Quem lê somepills já sabia!
(consultem os originais clicando em "previous", na barra ao lado)

http://somepills.blogspot.com.
Segunda-feira, Dezembro 19, 2005


TOPTEN FILMES DO ANO

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1. Crash ("Crash", Dir. Paul Haggis)
Onde a política de inclusão de minorias dos EUA foi parar? Identidades culturais levadas ao extremo, até a ignorância perante a humanidade do outro atingir o cume, e depois se reerguer diante da tragicidade da vida cotidiana. Crash é mais do que um retrato dos dilemas norte-americanos: é um retrato dos dilemas da pós-modernidade mundial. Medalha de ouro.
Trilha sonora do post: Spiritualized, "Stay with me".
posted by -MOX- at
01:29

Give me your paranoya (2)




Quinta-feira, Novembro 10, 2005

Crash: o conflito de identidades da pós-modernidade e Levinas

CRASH brinca com a identidade, a inflacionando. Costumamos realçar a identidade de cada um - o rico, o negro, o árabe, o oriental -, através de um multiculturalismo em que cada cultura vai valorizada (e essencializada) em si mesma. Crash é o próprio filme da pós-modernidade norte-americana: conflitos interculturais dentro da própria sociedade, fraturada em tribos. Cultura negra, persa, consumista, política, oriental, etc.O filme é extremamente similar a Magnólia (outro clássico): situações dramáticas vividas por pessoas diferentes, cuja ligação é extremamente tênue, como um fio de cabelo, levadas ao extremo da tensão. (SPOILER) Um policial que molesta uma negra, cujo marido é um negro com temor da sua própria identidade, mais tarde salvará a vida da sua vítima, que inicialmente o rejeita, depois aceita a ajuda. O persa que não fala inglês vê um sujeito tatuado arrumar a fechadura da sua loja, que mais tarde é arrombada. Vai atrás dele, tentando o matar, até se defrontar com a filha, que o "salva". A ricaça é assaltada por negros e infla seus preconceitos, até cair da escada e se dar conta que a sua única amiga é justamente a empregada, aquela a quem desprezava (FIM DO SPOILER).Em todas as situações do filme temos situações amplamente delicadas, em que as identidades se chocam de forma violenta, seguindo, praticamente, a lógica do amigo vs. inimigo. O estrangeiro (em sentido amplo) é rejeitado ou rejeita. A explosão de identidades distintas entre si causa rupturas de conversação, dor e sofrimento. Cada um vive em si mesmo e tem a autorização para ser como quiser - o negro que assalta, o persa que compra arma, a rica que despreza os outros. Todos escravos dos estereótipos que se alimentam de si mesmos. Devoram-se. O respeito à diferença não é, a rigor, respeito à diferença, mas simples indiferença. O negro que realiza o crime é a profecia-que-cumpre-a-si-mesma. A flecha do destino está no inconsciente coletivo: todos imaginam que ele irá o fazer, inclusive ele próprio. A expectativa é tão forte que se torna irresistível. A auto-imagem é desenhada socialmente. Não somos sujeitos desvinculados do mundo que nos rodeia.Crash tem realmente força quando finalmente nos curvamos perante o imperativo ético, de que fala o filósofo Emmanuel Levinas. É somente enquanto percebo o Outro como Rosto, ou seja, como um diferente (e não como um igual) e, com isso, assumo a respectiva responsabilidade pelo nosso encontro (não espero que o Outro seja como eu, o Outro rompe com o eu), com o respectivo trauma, que posso dar um passo adiante em direção a uma nova perspectiva de humanidade.A solução, assim, não passa pela reafirmação de uma identidade sobre a outra, se sobrepondo ou impondo, mas pelo Olhar ao Outro enquanto Rosto, pessoa, independentemente das suas características culturais ou físicas. Por trás da identidade, um Infinito se apresenta: o Infinito do Outro, que não se restringe ao meu pensamento, rompe com o meu eu na sua diferença. Inflacionar a sua identidade (negros são negros, por isso devem ser tratados assim ou assado) significa, em outros termos, aplicar a ele o Mesmo, impor-lhe o Mesmo que a minha mente concebe, a minha visão acerca da sua condição humana. O Outro, contudo, é sempre rompimento com o eu. É infinito porque, por mais simples que pareça, nunca as minhas categorias intelectivas irão percebê-lo na sua totalidade.Em todos os momentos em que as identidades desvanecem, o Outro-coisificado (negro, asiático, tatuado, etc.) deixa de ser alguma coisa para ser alguém, ganha um Rosto perante nós, extrapolando aquele estereótipo que lhe conferimos. Crash explora soberanamente o confronto do Outro-enquanto-coisa para o Outro-enquanto-alguém. Não o negro, mas o Outro que está ali, o ser humano que está ali com seu Rosto, perante o qual devemos nos responsabilizar sem querer, nele, ver o Mesmo que nós. Crash, por isso, é, antes de tudo, um filme levinasiano, em que a fratura multicultural americana leva a ambientes de tensão máxima, com as identidades hiper-inflacionadas até a situação atingir o cume de tensão (corrupção), para, em seguida, o Rosto erguer-se como salvação. A abertura para o Outro (hospitalidade) revigora as relações humanas e transforma o filme, antes que uma metáfora da política de identidades enrijecida [e, por isso, débil, à medida que excessivamente ontológica (coisificante)], num espelho da ética do Outro.