Mox in the Sky with Diamonds

quinta-feira, dezembro 25, 2008


SOMEPILLS ELEGE

OS DEZ MELHORES DISCOS DO ANO



2008 talvez tenha sido um dos anos dessa década em que mais bandas tradicionais movimentaram o mundo do rock. Gente que não lançava discos há anos - Portishead e Verve - e outras bandas que sempre chamam atenção - Oasis, Coldplay, Primal Scream. Além deles, bandas de vulto dos 2000 como Kings of Leon, Killers, TV on the Radio. Não foi tão difícil escolher dez. Talvez eu tivesse uns 15 melhores. O importante é que o rock continua sendo combustível de vida. Dias e noites dedicadas a ouvir esse gênero delicioso de transgressão, profanação e ousadia. Eis os dez melhores:


[para quem nunca teve contato com as bandas, coloquei vídeos do youtube, mas o site não permite a incorporação de alguns - então o negócio é clicar no link]:




10. BON IVER, "FOR EMMA, FOREVER AGO"
O melhor disco folk do ano representa o estilo - que é tão caro a este escriba - nesse topten. Algumas outras bandas beliscaram a posição - MGMT, Eagles of Death Metal [além de outros caros do mesmo estilo: Neva Dinova e Connor Oberst] -, mas Bon Iver ficou para ocupar a cadeira voz/violão. Com melodias preciosas e nada óbvias, além de uma voz comovente de Justin Vernon [que não é a única], a banda lembra o muito o Grizzly Bear numa espécie de folk denso, que congrega psicodelia e suavidade, experimentalismo e emoção. As canções parecem dançar entre o claro e o escuro com habilidade ímpar. Um disco poderoso na sua sinceridade e autenticidade.



"For Emma" (clip não-oficial).




9. COLDPLAY, "VIVA LA VIDA OR DEATH AND ALL HIS FRIENDS"
O Coldplay me surpreendeu com esse álbum. Era uma banda da qual esperava trabalhos cada vez piores. Depois dos ótimos "Parachutes" (2000) e "A Rush of Blood to the Head" (2002), a banda perdeu o prumo em "X&Y" (2005), enredando-se por um novelo pop que parecia se encaminhar a um ponto de pastiche do U2, pronto a ocupar a cadeira de nº 1 do mundo pop/rock após a aposentadoria de Bono Vox. No entanto, Chris Martin e cia capricharam nesse álbum, produzido por Brian Eno, e cheio de novidades melódicas, tendo guitarras mais presentes e se desfocando de um certo deslumbramento rockstar. O álbum perdeu um pouco da força que teve quando ouvi no primeiro mês, mas merece homenagens estando entre os dez. Canções como "Strawberry swing", "Death and all his friends", "42" e "Lost!" valem a pena.



"Viva la vida" (não é das melhores do álbum).




8. KINGS OF LEON, "ONLY BY THE NIGHT"
A gurizada dos Kings of Leon cada vez mais se assenhora do próprio som, deixando de lado o kit que os levou ao sucesso - The Strokes + tempero sulista - e desenhando, aos poucos, uma sonoridade própria, bastante marcada pelos vocais, porém rica em combinações e cheia de letras divertidas. "17", "Use somebody", "Sex on fire" e "Be somebody" são canções de deixar qualquer roqueiro pilhado, pronto para envergar o copo de cerveja ou whisky que espera o chamado. Não bastasse isso, os Kings ainda têm vocação nata para as pistas e soam que é um doce para a mulherada. Banda que tende a crescer mais e, hoje, já está entre as mais relevantes dos anos 2000.




Clique aqui para ver o clipe de "Use somebody" (vale a pena).




7. MERCURY REV, "SNOWFLAKE MIDNIGHT"
O Mercury Rev, como já escrevi certa vez, é a banda que nos convida a viajar nas costas dos anjos. Cada álbum é uma passagem para um ambiente onírico, psicodélico, totalmente desviado do nosso dia-a-dia. É como deixar-se entrar no etéreo, numa espécie de universo paralelo delirante cheio de portas que levam a ambientes cada vez mais diferentes, num jogo infinito de passagens e espelhos. "Snowflake midnight" trabalha mais com eletrônica que os outros álbuns e desenha um quadro do início ao fim (muito próximo do conceitual), convidando-nos a embarcar na viagem. O ápice é "The Dream of a Girl as a Flower", mas "Senses on Fire" é também um momento vibrante demais, no qual nos sentimos pulando sobre as labaredas que incendeiam a canção.


"Butterflys wing".






6. OASIS, "DIG OUT YOUR SOUL"
O Oasis lançou um disco abaixo das suas possibilidades, mas as possibilidades do Oasis, para um fã como eu, são altíssimas, o que os coloca acima de quase todos os demais. "Dig out your soul" é espécie de "Magical Mistery Tour" dos Gallaghers. Parece, no entanto, aquém da inspiração que nos brindou, há bem pouco tempo, um discaço do nível de "Don't believe the truth" (2005). A favor desse álbum, o fato de finalmente a banda ter abandonado as baladas a la "Be here now" (1997). Além disso, rocks como "The Shock of Lightning", "Bag it up" e "The Nature of Reality" são a alegria para qualquer pessoa que goste de cerveja e guitarras. O Oasis continua ocupando o lugar natural de uma das maiores - acima de todos os hypes - e se mostra seguro na sua trajetória já consolidada.






5. SPIRITUALIZED, "SONGS IN A&E"
Álbum que demorei a perceber a qualidade, é um verdadeiro catálogo com agradáveis hinos de "dream pop". Depois de quase morrer e passar um tempo respirando em aparelhos [isso explica a faixa "Death take you fiddle"], o Jason Pierce retoma com qualidade impressionante seus temas preferidos - Deus, alma, amor, drogas, morte, sofrimento, lisergia. Voltando à qualidade do clássico "Ladies and Gentlemen we're floating on the space" (1997), o Spiritualized traz aquilo que faz melhor: melodias em crescendo, backing vocals gospels espetaculares e poderosos refrões. Não há como escapar da violência desse álbum de 18 faixas (boas) depois de escutar "Soul on Fire". O universo do Spiritualized, é, como faz pensar seu nome, algo espacial, transcendente, compartilhado, mas ao mesmo tempo os temas terrenos trazem a banda para o nosso chão carnal.

Clique aqui para ver "Soul on fire" (recomendadíssimo, clipe belíssimo).




4. THE SECRET MACHINES, "THE SECRET MACHINES"
A ousadia de gravar um álbum de rock progressivo depois de todo achincalhamento que passou o estilo é algo que merece aplausos. Claro, se o projeto é bem sucedido. Colar o Yes ou Pink Floyd, simplesmente, é apenas falta de criatividade. Os Secret Machines certamente não são isso. São, ao contrário, o produto de uma fusão entre a grandiosidade e ambição do rock progressivo com a velocidade, limpeza e agressividade do punk. Espécie de "síntese" de ambos, mantidos na sua integralidade em uma nova combinação, como na dialética hegeliana. Ouvi-los é como sentir uma manada de elefantes passar diante dos olhos, tal é o peso de cada pegada que pode consistir em um riff de guitarra, uma nota no sintetizador ou furiosos golpes de bateria. O som dos Secret Machines é o único literalmente de arena, feito não para agradar massas, mas para povoar cada centímetro do espaço com sua potência, em um nível quase ensurdecedor (seria se não fosse melódico). Atualizando o Pink Floyd para os nossos dias, a incompreendida banda de Garza e Curtis nos brinda mais um trabalho brilhante.


"Atomic Heels" (a mais acessível do disco).





3. THE KILLERS, "DAY & AGE"
Essa banda maldita sempre gera o mesmo fluxo: expectativa baixa dos novos trabalhos, primeira audição com estranheza, influências bizarras. No entanto, esse fluxo é seguido por: grude de alguma melodia, empolgação incontrolável, cantoria infindável dos refrões, paixão de uma por uma das canções do álbum. É verdade que, como os outros trabalhos, "Day and Age" tem seus momentos fracos (dois, exatamente, "Joy Ride" e "Goodnight, travel well", nos quais a influência do Queen se exacerba). No entanto, no restante o disco é uma usina de singles poderosos. Com o som mais limpo de certos exageros de "Sam's town" (2006), aqui o Killers está na medida certa para estourar todas as pistas de rock sem deixar de fascinar pela pegada das melodias. Brandon Flowers canta cada vez melhor e, apesar das letras risíveis, nos faz cantalorar cada refrão com uma energia estúpida. "Losing touch" abre o disco e já mostra as garras; "Spaceman", "Neon Tiger" e "Dustland fairytale" fazem qualquer um bater o pé no chão e se empolgar. Outra banda que se assenhorou da posição de das mais relevantes da década presente.


"Human" (legalzinha, mas tb não está entre as melhores do álbum).





2. DEERHUNTER, "MICROCASTLE"
Bradford Cox era apenas um compositor alternativo para mim até bem pouco tempo. "Cryptograms" (2007), aplaudido por toda crítica musical, era para mim apenas um álbum ousado, mas um pouco perdido nos tiros, meio sem foco - coisa que crítico adora, para discordar da massa que quer tudo bem mastigadinho [esses críticos chatos que acham o Animal Colective a melhor banda do mundo]. Até ouvir "Microcastle". O disco bateu imediatamente. Perfeito na sinergia entre a melodia agradável, doce, contagiante, de um lado, e o experimentalismo, a lisergia, a viagem aos pólos distantes da existência, de outro. "Microcastle", usando todos os recursos possíveis, é a perfeita síntese de como pode o pop experimental virar acessível. É pop, mas ousado; é contagiante, mas complexo. As músicas parecem pedaços de delírios que vão se construindo peça-a-peça, como um quebra-cabeças que mostra a imagem mais improvável e linda ao final da montagem. Gostaria de dar um passeio pelas nuvens? Bradford Cox apresenta um álbum em que as canções - inicialmente viajantes e inseguras - vão ganhando corpo e densidade, até fazerem o ouvinte cantar e sentir-se empolgado em terreno surpreendente. Se um dia Brian Eno afirmou que "Soon", do My Bloody Valentine, abrira novos caminhos para o pop, o álbum do Deerhunter ouviu bem o conselho e por ali fez sua trilha.
Eis, meus amigos, o futuro do pop.



"Microcastle" (clip não oficial).







1. PORTISHEAD, "THIRD"
Tinha tudo para dar errado. TEN-FUCKIN'-YEARS sem gravar uma porra de disco. Pressão nas alturas, pois "Dummy" (1994) e "Portishead" (1997) eram obras-primas. O eterno dilema da banda que volta: toca novamente como antes, soando saudosista, ou arrisca um fiasco, se reinventando? Resposta: somos grandes demais para fazermos mais um disco de "trip hop" básico. Só vale a pena se for pra ser diferente. O que temos aqui é um processo de filtragem de toda evolução do rock desde o próprio Portishead - abocanhando desde Radiohead até Klaxons - e elaboração de um disco PERFEITO, em que todo álbum tem sua razão de ser e tudo fica fechado na sua abertura. Paradoxal? Talvez, mas ouça o álbum e entenda. Tudo parece no exato lugar - que é exatamente fora-do-lugar. Não há qualquer uniformidade, o disco é quebradiço e arisco, usualmente foge entre os dedos, vai-e-vem, dói o ouvido e depois amacia, é a elaboração que mostra o que significa uma banda ser perfeccionista ao extremo, caso indiscutível do Portishead. Alvejado em "Machine Gun", estressado em "We carry on", inseguro e angustiado em "Silence", sereno e perigoso em "Hunter", depressivo em "Magic Doors", nostálgico, desequilibrado e apaixonado em "Plastic". Sem falar da melhor canção do ano - a emocionante "The Rip" - para a qual dispenso adjetivos (lembra o disco solo da Beth Gibbons). Enfim, é oscilando como nossa própria existência, revezando nos humores, mergulhando nas profundidades do nosso tenso e indomável Eu - assim o Portishead constrói "Third". A cada momento um novo elemento pode entrar e quebrar toda harmonia antes cuidadosamente estabelecida. A disciplina é algo severamente esculachado e destruído. Aqui tudo é caos, desordem, mas dançando com a ordem, pronta a se deixar domesticar para que a mordida seja mais forte e precisa. Como uma espécie de louco que disfarça estar são - e faz melhor que os próprios sãos - apenas para poder cravar uma faca na garganta do supervisor. "Third" está em um lugar entre as nuvens do Céu e as chamas do inferno - esse entre-lugar onde tudo é dito e sentido na sua plena intensidade.



Pelo amor de Deus, clique aqui ("The Rip") e aqui ("Machine Gun").

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