Mox in the Sky with Diamonds

quinta-feira, maio 24, 2007

O PODER DA CIÊNCIA – I

Demorei a entender o que quis dizer Michel Foucault com seus livros, especialmente quando se tratava do poder. Não porque não os tenha entendido: é que as leituras, até certa época, ainda não apanhava o "cerne" da questão.

Os foucaultianos, que depois de tornaram deleuzianos, lyotardianos, guattarianos, etc., enfim, todos vindos da mesma raiz [Nietzsche] e em direção ao mesmo lugar [estético], parecem ter confundido um pouco o significado mais cru do poder. A partir do deslocamento da "verdade do valor" para o "valor da verdade", nos passos de Nietzsche, Foucault parecia ter derrubado a ciência do seu bastião de "sabedoria máxima" e colocado-a entre as práticas do poder.

Num aprofundamento ainda maior, Lyotard foi quem deu gênero - no clássico "A Condição Pós-Moderna” – à crítica “interna” da ciência, que procurava mostrar locais movediços dentro das próprias “certezas” científicas, tirando o estatuto de “verdade” do conhecimento científico [já ouviu falar de fractais? Ou de física quântica?].

Com a profusão do marxismo – ainda muito forte naquela época – não se deixou de agregar mais um vetor: ciência enquanto ideologia, manipulação da “burguesia”.

A equação do “pós-modernismo” se formou assim: fissuras internas da ciência [relativização da verdade] + ciência como ideologia [Marx] do poder [Foucault] = pós-modernismo.

Contra essa equação, não tardaram a surgir críticos contundentes. Na filosofia analítica, foram muitos os que tentaram recuperar o sentido da “verdade” além de todo relativismo. E também os físicos Alan Sokal e Jean Bricmont não tardaram a publicar um livro em que mostram a inconsistência científica de muitos exemplos e metáforas de autores como Deleuze, Virilio e Baudrillard. Eles defendem uma idéia de verdade “forte”, que teria sido perdida no “relativismo” dos pós-modernistas e serviria como fundamento racional para a orientação da filosofia, da ética e das ciências.

Quem terá razão?

A meu ver, é a uma questão que já foi dissolvida [e não resolvida] há muito tempo.

Desde Heidegger, sabe-se que as dimensões da “subjetividade” e “objetividade” existem apenas enquanto possibilidades. Ou seja, a relação com o ente [coisa] se dá de uma forma em que tentar extrair sua “objetividade” significa, tão-somente, uma das possibilidades que existem naquela coisa mesma. O ente que eu olho, em síntese, sempre será visto pelos meus olhos “entre parênteses”, ou seja, de acordo com aquilo que eu vejo nele.

Os “pós-modernos” típicos, ao insistirem em esvaziar a noção de objetividade, dão um tiro no próprio pé, à medida que a sacralizam. “A ciência é relativa; isso significa que o mundo é relativo”. Ora, o efeito performativo dessa frase é que a ciência ganha ainda mais força do que tinha. Ao tentarem desmascarar a ciência a partir da própria ciência, os seus detratores antes a retroalimentam, na medida em que parecem concebê-la como a realidade.

Se atentarmos para o que disse Heidegger, contudo, vamos ver onde está o equívoco: a ciência é apenas uma das possibilidades, não a realidade mesma, que jamais vai esgotada nas descrições que fazemos, exatamente por essas descrições serem “nossas”. A grande fissura que provocou a filosofia heideggeriana – de forma definitiva – foi a separação entre razão e realidade. A realidade é ela própria, jamais se reduz aos meus esquemas mentais. Heidegger, posteriormente, irá propor uma nova descrição da realidade, mais "aberta", que ele chamará “ontologia fundamental”.

Foi exatamente a partir desse giro heideggeriano, que tem muitos antecedentes, ressalte-se, que eu comecei a entender o que quer dizer Foucault acerca do poder.

Foucault não quer dizer que o poder “fabrica” a verdade para nos disciplinar, como querem os pós-modernos. Se a realidade não se esgota nos nossos esquemas mentais, é preciso ver, primeiro, que o próprio ato de descrever a realidade é, por si só, um ato de quem habita um mundo e emite uma fala. Não existe pensamento solto no ar.

Segundo, se a realidade não se esgota nos nossos esquemas, a ciência será apenas um desses esquemas. Não o esquema. Os “pós-modernos” da equação, ao pretenderem tirar o valor da ciência pelo argumento “interno”, acabam por reafirmar, performativamente, que a ciência é “a” descrição. Com isso, dão munição para os analíticos “durões”. Bem melhor seríamos ver a ciência uma forma técnica de ver o mundo, que não é a única.

Unindo o primeiro ponto ao segundo temos o quê? Não há uma verdade, aquela defendida pela ciência, mas uma pluralidade de verdades. O problema tanto dos “pós-modernos” quanto dos analíticos “durões” é desbancar a epistemologia como filosofia primeira. É perceber que a realidade não se esgota na minha mente, ela é separada, exterior, não se deixa reduzir pelos meus esquemas. E que as categorias "sujeito" e "objetivo" representam um modo de ver a realidade, e não "o modo". Os “pós-modernos”, preocupados em desbancar a verdade do seu lugar santificado, acabam afirmando que “não há verdade”. Com isso, hipostasiam a vontade do sujeito e, ao final, terminamos perguntando se a realidade existe mesmo. De outro lado, os analíticos “durões” parecem se enfurnar em uma bolha lógica onde todas as decisões são epistemológicas, sem percebem que não existe uma equivalência, sequer simetria, entre razão e realidade.

Por isso, a noção de verdade pode permanecer, mas apenas enquanto plural. “A” verdade só pode existir em pensamento metafísico, aquele que coloca as idéias como se fossem coisas concretas. Enfim, aquele que acopla a realidade na razão.

Onde entra Foucault aqui? Ora, o que Foucault quis dizer é que, existindo várias verdades, o poder seleciona aquelas que mais convém. As redes de poder são se formando como redes de verdade, numa realidade que é mais rica que qualquer esquema teorético. Assim, o poder produz a verdade. O que interessou a Foucault, como pensador que já desacoplou razão e realidade, foram as condições que dão a um discurso o caráter de "verdade" em detrimento de outros que não são assim considerados. É precisamente nesse momento que entra a questão do poder, enquanto estruturante da verdade. Jamais como um ser sobrenatural que determina o que é e o que não é verdade.

É isso que é preciso saber para entender que a minha casa é, ao mesmo tempo, um amontoado de tijolos, uma porção de moléculas, uma forma de habitação em um mundo capitalismo e ainda meu lar. Um monte de verdades, empilhadas. Qual dessas convém mais?

No próximo post, vou tentar provar a minha tese com base no problema do aquecimento global.