Mox in the Sky with Diamonds

quinta-feira, setembro 21, 2006

O (mau) legado do Muro de Berlim


Marx, conquanto haja vozes que digam que ele admirava os EUA, era, de modo geral, um refratário em relação à democracia. Seus discípulos, então, como em toda religiosidade burra, levaram ao extremo suas convicções, como dogmas, rejeitando qualquer reformismo social como mero "paliativo". Por isso, para parte da esquerda, o bom virou contrário do ótimo, como diz Richard Rorty.

Nossa esquerda, e me refiro especialmente ao PT, foi construída nas bordas do marxismo. Esse legado fez com que nos comportássemos (os petistas) de modo um tanto quanto messiânico e fanático, tratando nossos adversários como inimigos. Eu mesmo me penitencio por certa intransigência na minha adolescência, quando ajudei a fortalecer a idéia do PT como grande salvação do mundo.

É exatamente essa a tendência que faz com que surjam casos com o do "Dossiê". Há pessoas dentro do partido que ainda o tem como salvação da humanidade, e recorrem a quaisquer meios para implementar sua "revolução" (leia-se: um projeto de poder). Essas pessoas, fascistas que não sabem que são fascistas (ou sabem), ainda vivem sob o espectro do bem e do mal, e, por isso, para destruir a oposição, recorrem a esses expedientes sórdidos.

É óbvio que, se o caso fosse invertido [Dossiê contra Lula comprado pelo PSDB], a cobertura estaria muito mais focada na conteúdo que na compra. Mas isso é secundário.

É preciso que nos demos conta de que o PT não é salvação de nada; é apenas mais um partido na democracia. Com essa dimensão, podemos reconstruir a esquerda brasileira, a partir de um liberalismo reformista que valoriza instituições acima de pessoas e privilegia o acordo político com pessoas decentes -- como José Serra. Embora eu tenha severas discordâncias com o tucano, que tem propostas bastante conservadoras, para quem não sabe, não é um corrupto e é alguém que toparia fazer acordos em prol do Brasil.

No entanto, os protofascistas do interior do PT prefiriram optar pela sabotagem política. Com isso, inviabilizaram um diálogo que seria produtivo ao país, provavelmente, com base na sua visão salvacionista.

Exatamente por coerência a tudo que estou dizendo, e também por acreditar que o Muro de Berlim derrubou a Revolução, mas não a diferença entre Esquerda e Direita, é que mantenho meu apoio ao Governo Lula.
Queira ou não, cabeças estão caindo, e aos poucos o PT vai se "limpando" da influência desses grupos. Exatamente por ser apenas um partido -- e só -- é que não posso condenar como se fosse um pecado mortal, pois não é composto de anjos: há picaretas, corruptos e fascistas, também. Ou seja: é por ser "demasiado humano" que o PT também erra, e o erro não pode ser mais razão para o abandono, mas sim a desconstrução da palavra "esperança". A esperança, que antes era uma esperança bolchevique, da construção do Reino dos Anjos, agora é uma esperança "fraca", institucional, equivalente ao voto dos americanos no Partido Democrata ou dos franceses no Partido Socialista. Uma esperança menos messiânica e mais pragmática. Com isso, quero dizer que não vou fazer parte da comunidade: "Eu achava que o PT era perfeito", e por isso votar, por exemplo, na Heloísa Helena, atrás dos puros.

Ainda por coerência, não posso deixar de votar no Lula exatamente pelo seu Governo representar o reformismo, em contraposição ao radicalismo de setores do PT. Se não acredita mais em utopias salvacionistas, se quero tratar o PT apenas como mais um -- entre outros -- partidos, o Governo Lula representa um caminho razoável a ser seguido, um caminho de reformismo social com realismo econômico. É a minha "esperança fraca" que faz com que vote em Lula, apesar do protofascismo de parcelas do PT, que vão perdendo força. Pode ser que, no final, não sobre ninguém. Isso será ruim?

Aos poucos, creio eu, o legado do Muro de Berlim vai sendo abandonado, e daqui a algumas gerações teremos uma nova esquerda, sem Revolução e fascismo, mas institucional e reformista. O "esvaziamento" do PT pode ser, nesse sentido, a sua refundação. Para melhor.