Maturidade Institucional
A maturidade institucional na democracia é algo a ser conquistado a passos lentos, tranqüilos, sem arroubos ou pessimismos. O Brasil caminha para isso. A campanha eleitoral já começa a demonstrar que mesmo candidatos próximos ao histrionismo -- caso de Heloísa Helena, tenta estabelecer uma pauta que denomina "radical sem extremismo". Ou seja, estamos, aos poucos, nos distanciando do populismo, do velho modelo de político da Ditadura, os Malufs, que muito prometiam, nada cumpriam e muito roubavam. Ainda temos corrupção, mas ela é universal e sempre existirá. O fato é que, passados quatro anos de Governo PT e oito do PSDB, dois quadros partidários que se formaram a partir de fora da ARENA (PFL/PP), começamos a caminhar pelos caminhos republicanos, finalmente traçando propostas realistas, factíveis, que devem ser afirmadas com base em dados concretos. O messianismo de Collor, Enéas e do PSTU vai ficando em segundo plano, e aos poucos nossa democracia se consolida.
Choque
Foi motivo de choque a minha afirmação de que construir uma família, ter uma renda fixa, carreira, moradia e carro não são meus projetos prioritários de vida. Longe disso. Toda essa "felicidade", essa comodidade do homem médio, pode até ser bem-vinda, dependendo do caso. Mas há, sem dúvida, coisas que vêm antes.
No fundo da minha alma, sinto um certo espírito da arte, do artista inconformado, inadaptável, crítico até os ossos. Escrevo desde criança, desde que aprendi a escrever, e muito. Escrever sempre foi mais que passatempo -- descarrilamento. E mais: escrever para ofender. Essa veia artística me torna irredutível na busca de liberdade, de me tornar um "espírito livre". Isso vem antes, muito antes, que a "felicidade".
Hoje, me sinto absolutamente próximo da filosofia. Mas a arte vem junto, como um impulsiomento constante. Sempre me senti um artista, e sempre admirei todo aquele que pretende transcender, romper a comunicação cotidiana, irradiando uma espécie de "aura" pessoal que transborda emoções, sentimentos, pensamentos, etc., tudo de forma não-usual. Esse é o artista, o que expressa. Expressa, e quanto mais intensamente melhor. Assim como o filósofo desbanaliza o banal. Sinto-me próximo de ambos.
Vida
A vida é um peso. A existência é uma rocha de carregamos. Sobretudo, se não quisermos nos isolar do mundo exterior, em bolhas de proteção. Quem assume a responsabilidade, a velha responsabilidade de Sartre ou a responsabilidade infinita de Derrida, está diante do desafio de suportar o Nada, a "clareira" de Heidegger que, no fundo das coisas, paira apenas o vazio. No fundo, a ausência. Ausência que traduz o indecidível e, com esse, a responsabilidade infinita. Essa é a angústia da vida. Nietzsche chamou isso de "tragédia" e, em resposta ao dilema de Sileno, de que a maior benção seria não ter nascido, ele responde com um sim incondicional.
Mas ela também tem seus prazeres. A arte é um deles. Um prazer astronômico, que permite o gozo não-lingüístico, um gozo que não traduz, quando ouvimos, por exemplo, uma música deliciosa, apoteótica, como um Sigur Rós para alguns ou The Verve para outros. Todas essas músicas, assim como os filmes de Kubrick, os quadros de Dali, as esculturas de Rodin, o "teatro da crueldade" de Artaud, os poemas de Rimbaud, tudo isso é tão gratuito quanto necessário: uma transcendência da recursividade, ou seja, um sair do lugar-comum da linguagem, para um ser fora-daí.
Incompreensão dos censores
Tudo isso não é, e nunca será, compreendido por aqueles que entregaram seu corpo para a Ordem, que não se permitem mais romper com isso e, até o último limite da sua consciência, são percorridos por disciplinas que se instauraram mediante adestramento, como se fossem cachorros.
Esses -- como entenderão a arte? Como entenderão aquilo que pretende romper, que permite o gozo, o encontro com o tragédia travestida em beleza, o "humano", a violência?
É exatamente essa a confusão daqueles que censuraram a música do Bide ou Balde, ano passado. O império da mediocridade impõe fins morais à arte, como se fosse dela essa função. A arte não tem nada, absolutamente nada, a ver com a moral. A arte tudo pode expressar.
Suzane
A imagem do julgamento "em tempo real" de Suzane Richthofen é a imagem da Inquisição, julgando com seus rituais macabros, e o populacho observando, sedento por punição e sangue, revelando seus impulsos mais baixos de violência escondidos atrás de um ritual que lhe dá legitimidade.
É exatamente a mesma coisa do torturador, do criminoso que seqüestra a vítima e fica observando seu sofrimento, são exatamente os mesmos instintos e a mesma vontade de violência. Apenas estão "encobertos". Não tem nada a ver com justiça, essa se basta ao sabermos o resultado do julgamento. A sede de vingança, a expectativa, a narração do ritual, tudo isso tem a ver com outros instintos, mais subterrâneos.
Suzane é mais uma prova, empírica, que Freud estava certo quando falou da nossa pulsão de morte.
Trilha sonora do post: Portishead, "Requiem for Anna".
A maturidade institucional na democracia é algo a ser conquistado a passos lentos, tranqüilos, sem arroubos ou pessimismos. O Brasil caminha para isso. A campanha eleitoral já começa a demonstrar que mesmo candidatos próximos ao histrionismo -- caso de Heloísa Helena, tenta estabelecer uma pauta que denomina "radical sem extremismo". Ou seja, estamos, aos poucos, nos distanciando do populismo, do velho modelo de político da Ditadura, os Malufs, que muito prometiam, nada cumpriam e muito roubavam. Ainda temos corrupção, mas ela é universal e sempre existirá. O fato é que, passados quatro anos de Governo PT e oito do PSDB, dois quadros partidários que se formaram a partir de fora da ARENA (PFL/PP), começamos a caminhar pelos caminhos republicanos, finalmente traçando propostas realistas, factíveis, que devem ser afirmadas com base em dados concretos. O messianismo de Collor, Enéas e do PSTU vai ficando em segundo plano, e aos poucos nossa democracia se consolida.
Choque
Foi motivo de choque a minha afirmação de que construir uma família, ter uma renda fixa, carreira, moradia e carro não são meus projetos prioritários de vida. Longe disso. Toda essa "felicidade", essa comodidade do homem médio, pode até ser bem-vinda, dependendo do caso. Mas há, sem dúvida, coisas que vêm antes.
No fundo da minha alma, sinto um certo espírito da arte, do artista inconformado, inadaptável, crítico até os ossos. Escrevo desde criança, desde que aprendi a escrever, e muito. Escrever sempre foi mais que passatempo -- descarrilamento. E mais: escrever para ofender. Essa veia artística me torna irredutível na busca de liberdade, de me tornar um "espírito livre". Isso vem antes, muito antes, que a "felicidade".
Hoje, me sinto absolutamente próximo da filosofia. Mas a arte vem junto, como um impulsiomento constante. Sempre me senti um artista, e sempre admirei todo aquele que pretende transcender, romper a comunicação cotidiana, irradiando uma espécie de "aura" pessoal que transborda emoções, sentimentos, pensamentos, etc., tudo de forma não-usual. Esse é o artista, o que expressa. Expressa, e quanto mais intensamente melhor. Assim como o filósofo desbanaliza o banal. Sinto-me próximo de ambos.
Vida
A vida é um peso. A existência é uma rocha de carregamos. Sobretudo, se não quisermos nos isolar do mundo exterior, em bolhas de proteção. Quem assume a responsabilidade, a velha responsabilidade de Sartre ou a responsabilidade infinita de Derrida, está diante do desafio de suportar o Nada, a "clareira" de Heidegger que, no fundo das coisas, paira apenas o vazio. No fundo, a ausência. Ausência que traduz o indecidível e, com esse, a responsabilidade infinita. Essa é a angústia da vida. Nietzsche chamou isso de "tragédia" e, em resposta ao dilema de Sileno, de que a maior benção seria não ter nascido, ele responde com um sim incondicional.
Mas ela também tem seus prazeres. A arte é um deles. Um prazer astronômico, que permite o gozo não-lingüístico, um gozo que não traduz, quando ouvimos, por exemplo, uma música deliciosa, apoteótica, como um Sigur Rós para alguns ou The Verve para outros. Todas essas músicas, assim como os filmes de Kubrick, os quadros de Dali, as esculturas de Rodin, o "teatro da crueldade" de Artaud, os poemas de Rimbaud, tudo isso é tão gratuito quanto necessário: uma transcendência da recursividade, ou seja, um sair do lugar-comum da linguagem, para um ser fora-daí.
Incompreensão dos censores
Tudo isso não é, e nunca será, compreendido por aqueles que entregaram seu corpo para a Ordem, que não se permitem mais romper com isso e, até o último limite da sua consciência, são percorridos por disciplinas que se instauraram mediante adestramento, como se fossem cachorros.
Esses -- como entenderão a arte? Como entenderão aquilo que pretende romper, que permite o gozo, o encontro com o tragédia travestida em beleza, o "humano", a violência?
É exatamente essa a confusão daqueles que censuraram a música do Bide ou Balde, ano passado. O império da mediocridade impõe fins morais à arte, como se fosse dela essa função. A arte não tem nada, absolutamente nada, a ver com a moral. A arte tudo pode expressar.
Suzane
A imagem do julgamento "em tempo real" de Suzane Richthofen é a imagem da Inquisição, julgando com seus rituais macabros, e o populacho observando, sedento por punição e sangue, revelando seus impulsos mais baixos de violência escondidos atrás de um ritual que lhe dá legitimidade.
É exatamente a mesma coisa do torturador, do criminoso que seqüestra a vítima e fica observando seu sofrimento, são exatamente os mesmos instintos e a mesma vontade de violência. Apenas estão "encobertos". Não tem nada a ver com justiça, essa se basta ao sabermos o resultado do julgamento. A sede de vingança, a expectativa, a narração do ritual, tudo isso tem a ver com outros instintos, mais subterrâneos.
Suzane é mais uma prova, empírica, que Freud estava certo quando falou da nossa pulsão de morte.
Trilha sonora do post: Portishead, "Requiem for Anna".