Mox in the Sky with Diamonds

quinta-feira, junho 01, 2006

Escrever com o sangue

Escrever não é, nem deveria ser, um exercício de esclarecimento, crítica ou comentário. Escrever, para mim, tem um sentido distinto.

O escrever é um descarrilamento, um despejo do excesso, um alívio. Ao escrever, eu descarrego parte do meu ser. Despejo de excesso, um excesso que significa acúmulo insuportável de tensões.

Por isso, escrevo com sangue. Não importa o que os outros pensam, tampouco se tenho razão. Minha única finalidade é descarregar sangue, é eliminar uma parcela excessiva do meu ser, retornando em um ponto de suave alívio que, em pouco tempo, irá novamente se inflar e exceder.

Minha escrita é sincera. É feita com parte do meu ser. As letras são partes do meu corpo. O espaços em branco são minha nudez. Os textos não são pretensões de verdade: são atributos corporais. Texto e corpo estão juntos. Caminham lado-a-lado.

Corpo virtual, um hipertexto que se abre como se fosse um amálgama dos meus instintos, impulsos, sentimentos, pensamentos e da própria carne e ossos. Corpo condensado. Corpo sintetizado. Palavras de sangue. A escritura é um exercício de sinceridade. É meu próprio ser derramado na tela. Não é uma representação, e sim uma presentação.

Derrida diria, contudo: escritura é ausência. Concordo, mas, ao lado da vacuidade das palavras e dos seus próprios jogos de forças, existe um corpo, ali, exposto, submetido aos ataques de quem quer que seja. Escrever é expor o próprio corpo -- o texto pode ser vulnerável ou duro, tanto faz. Há textos em que parcelas do meu eu aparecem de forma frágil; outros, são giletes. Não importa: a ponta de faca e o algodão são a mesma coisa, ambas são corpo.

Os pontos pretos, o traço (Derrida de novo), são contornos de um corpo que se expõe a ser, ao mesmo tempo, algoz e crucificado. A escritura é risco. Risco que se inscreve no próprio corpo, como uma extensão virtual do eu. O texto não está lá fora, o texto presenta meu eu. Não existe, ao menos no meu caso, uma distinção entre sangue e letras. Ambas formas e expressões da mesma coisa: corpo.

Quando escrevo, deixo uma parte de mim mesmo falar por si. Ela fala mais do que eu penso, fala sozinha, se torna mais do que eu mesmo. Mas, em todo momento, presença e ausência estão ali: presença do corpo, ausência da verdade. O texto é aberto; mas é corpo.


Trilha sonora do post: Laura Veirs, "Shadow Blues".