Reflexões sobre os ataques do PCC em São Paulo
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Nenhuma posição é mais cômoda socialmente do que a de vítima. A coluna jornalística mais popular aqui no RS, por exemplo, utiliza no mínimo em seis a cada dez edições a estratégia de vitimização. É cômodo que nós, fracos de espírito, pretendamos ignorar a tragicidade do real e, com isso, saiamos em busca de uma solução metafísica para nos proteger. Uma delas é que a sociedade é composta por homens bons, pagadores de impostos, que são constantemente atacados por selvagens cruéis.
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Costumamos conceber a sociedade como algo estático, uma porção de gente agrupada [os "cidadãos de bem"] e formam uma espécie de "ente". Ignoramos, em primeiro lugar, que Norbert Elias demonstrou, há mais de 80 anos, que é impossível conceber a sociedade como algo "fora" do nós mesmos. O que é a sociedade? Onde ela está? Fumaça no ar. Segundo: a sociedade é apenas um "nome", um nome para certas práticas que formam um tecido que, incessamente, é tecido e destecido, feito e re-feito. Não existe algo "lá fora", sociedade. O que existe somos nós e nossas práticas. Sociedade é um nome para isso.
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Por isso, a sociedade em que vivemos, e aqui, reitero, a sociedade entendida como um nome, é uma construção que, tijolo por tijolo, é feita e desfeita por nós mesmos, e mais ninguém. Ou alguém acha que, morrendo todos nós, ainda existirá uma "sociedade", uma entidade colorida, quem sabe, ou com cheiro de colônia de amante de homem médio?
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A sociedade que vivemos é a sociedade que estamos construindo. Não estou aqui querendo inocentar ninguém, nem dizer que criminosos são coitadinhos ou coisa do gênero. Só estou dizendo que esse grau de ultra-violência [Kubrick hoje?] que vivemos é obra de nós mesmos, à medida em que estamos tecendo nossas relações dessa forma. A pose de vítima é confortável --- mas todas as pontas da rede [entendam rede literalmente, como um conjunto de fios] são tecidas pelas nossas práticas.
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A violência que nos assusta é produto de nós mesmos. A violência é onipresente. Ela é um continuum, permanente, integrante de nós mesmos. Negar o nosso lado violento é ignorar Freud, é ignorar nossas pulsões de morte, nossas celebrações coletivas da morte. Não somos anjos. Acreditar que Direito Penal e punição podem resolver isso merece apenas uma risada homérica. Até porque o Direito Penal nunca elimina a violência, apenas substitui uma por outra, pois ele próprio é violência.
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Precisamos de mais Norbert Elias e Nietzsche na nossa consciência: todas as relações sociais são implicadas. Tudo se liga. A minha atitude aqui não reflete só na bolha em que vivo, porque eu não vivo em uma bolha. A minha ponta da rede atinge a totalidade da rede. Não somos uma soma de indivíduos, mas uma rede em que todos estão ligados. Ao tecermos da forma que estamos tecendo nossa rede, estamos criando PCC, falcões, Comando Vermelho, etc. É preciso dizer sim ao trágico de vez, aceitar a nossa violência, e lidar com ela sem ignorá-la. É preciso se sentir responsável, e não vítima. O fraco olha o forte e lhe culpa pela sua fraqueza: diz, assim, que ele é mau. Não precisamos mais de bem e mal; nem de bruxas ou hereges; é hora de olhar para nós mesmos e assumir, de vez, a responsabilidade. O PCC somos nós, não apenas "eles".
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Se não olharmos logo para o problema, ele irá nos devorar.
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Trilha sonora do post: Jewel, "Stephenville, TX".