O paradoxo da tragédia cotidiana
Nietzsche, meu grande e único mestre, costumava dizer que o platonismo substituiu a dimensão trágica da vida por um ideal metafísico, uma ilusão de que esse mundo seria "falso" (ou de aparências) e a Verdade estaria em outro mundo --- o das idéias (ou, simplesmente, real). O mestre via nisso um sintoma terrível de decadência, uma amargura dos fracos e fracassados, que, ressentidos e invejosos, espancavam e censuravam esse mundo por não serem suficientemente fortes para agüentá-lo. Os fortes, segundo ele, seriam aqueles que suportariam o destino em todas as suas faces ("amor fati"), dizendo um sim irrestrito à tragicidade da vida.
Dor e prazer, por isso, seriam duas faces da mesma moeda --- numa das passagens da sua obra, certamente a mais bela e profunda frase que já li na vida, ele diz que "Para que exista a alegria eterna da criação, para que a vontade de viver se afirme eternamente por si mesma, é necessário também que existam as dores do parto. A palavra Dionísio significa tudo isso".
Nietzsche foi, por isso, o mais profundo de todos os pensadores.
Mas como ser forte o bastante para suportar a tragédia da nossa vida?
De minha parte, já abandonei todas as coisas que me vinculavam, de alguma forma, a idéias metafísicas. Deus, Amor, Verdade. Meu romantismo se esvaeceu aos poucos, numa espécie de desidratação contínua, até desembocar em um ceticismo total que deixa algumas pessoas pasmas. Meu desprendimento de tudo às vezes dói no estômago de alguns, a falta de planos e
projetos que permitem prender meus pés no chão e deixar as pessoas dizerem "ele é isso".
De minha parte, já abandonei todas as coisas que me vinculavam, de alguma forma, a idéias metafísicas. Deus, Amor, Verdade. Meu romantismo se esvaeceu aos poucos, numa espécie de desidratação contínua, até desembocar em um ceticismo total que deixa algumas pessoas pasmas. Meu desprendimento de tudo às vezes dói no estômago de alguns, a falta de planos e
projetos que permitem prender meus pés no chão e deixar as pessoas dizerem "ele é isso".
Nietzsche me ensinou a reler a inscrição do oráculo de Delfos que ficou famosa na boca de Sócrates: "conhece-te a ti mesmo". O mestre diz que, antes que "conhece", "torna-te" um ti mesmo. Por isso, meu único projeto, hoje em dia, é tornar-me um espírito livre.
Mas eu ia falar de relacionamentos. Ia dizer que, assim como falei no último post, a vida de solteiro é um lixo. Mas, detalhe: a vida a dois também é. Ser solteiro implica não ter companhia contínua, afeto permanente, passar por momentos de carência e solidão, rastejar aos pés de
quem não merece. Porém viver a dois também tem seus problemas: a própria alteridade é um problema. Viver com o outro significa, primeiro, ser "fiador", depois agüentar suas idiossincrasias, suportar suas pressões e depressões, abrir mão da liberdade.
quem não merece. Porém viver a dois também tem seus problemas: a própria alteridade é um problema. Viver com o outro significa, primeiro, ser "fiador", depois agüentar suas idiossincrasias, suportar suas pressões e depressões, abrir mão da liberdade.
Hoje eu reformularia Sartre: o inferno não é os outros. O inferno é os outros e nós mesmos. Sozinho, inferno. Acompanhado, inferno. O paradoxo da tragédia cotidiana é que, sozinhos ou acompanhados, o dizer sim à vida é sempre dor e prazer.
Trilha sonora do post: Velvet Underground, "Sweet Jane".