Mox in the Sky with Diamonds

segunda-feira, março 20, 2006

Não somos mais kierkegaardianos
(atenção: spoiler de Match Point, de Woody Allen)

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Johansson, a mais linda do cinema atual

O filósofo Soren Kierkegaard foi o principal inspirador da obra-prima "Crime e Castigo", de Fiodor Dostoievski, em que o grande personagem Raskolnikov comete o crime perfeito --- pretende assassinar uma velha exploradora "imprestável" e acaba matando também uma outra mulher, mas consegue omitir todas as evidências --- e, posteriormente, acaba se arrependendo e se entregando à Polícia, indicando onde escondeu as provas, pois nada podia ser provado contra ele.
Kierkegaard acredita na existência em três estágios: o estético, que é o nosso normal, onde prevalece a lógica hedonista; o moral, em que a pessoa se volta para o cumprimento das regras morais/sociais; e, como último, o religioso, em que nos desprenderíamos de todas as vinculações com o mundo e nos dedicaríamos totalmente à vida religiosa. Kierkegaard era, antes de tudo, coerente: para ele, se acreditamos realmente no cristianismo, nossa vida não pode ser levada da forma que é.
O grande russo faz, em seu livro, uma espécie de desenho do personagem kierkegaardiano. Raskolnikov livra-se de todas as suas vinculações e entrega-se, numa expiação voluntária e voltada para o sacrifício.
Match Point, por isso, é uma ironia de Woody Allen ao personagem de Dostoievski. Ao contrário de Raskolnikov, o protagonista é, todo momento, um hedonista, e não hesita em se aproveitar dos prazeres da vida mesmo indo contra seus princípios e desejos. Ao casar com uma ricaça que, visivelmente, não é apaixonado, ele ganha luxo e dinheiro. Mas ele precisava, também, da carne feminina, e então foi buscar na bela Scarllet Johansson os prazeres da luxúria.
Antes de tudo um pecador, o personagem de Allen também comete o crime perfeito, mas a resposta do Diretor é diversa da de Dostoievski: aqui é o cinismo e o hedonismo que prevalecem.
A ruína dos nossos valores morais e, sobretudo, religiosos? Sem dúvida. Match Point é, antes de tudo, um filme que zomba dos princípios, um tratado de cinismo pós-moderno. Por isso, um ótimo e surpreendente filme.
Ainda sobre a mente
Quando me referi aos fisicalistas, não confundir com os materialistas do século XIX. Prossigo a discussão.
Não é possível falar de uma realidade imaterial onde teríamos, quem sabe, nossos espíritos, sonhos e pensamentos flutuando? A menos que caíamos nessa armadilha platônica, somente é possível falar de "mente" como algo material, quer dizer, nosso cérebro. Portanto, são os elementos químicos que estão ali dentro que determinam o que sentimos, pensamos, falamos.
Isso não significa que não possamos falar de psiqué. Nossas relações mentais, contudo, são meras descrições lingüísticas daquilo que o físico faz, sem que signifiquem um funcionamento independente. Donald Davidson diz, nessa linha, que todos os fenômenos mentais são físicos, mas é impossível reduzir as leis psicológicas a descrições físicas. Uma ambigüidade terrível, que faz com Davidson seja uma leitura terrível e, ao mesmo tempo, instigante. A mim, cada vez fica mais claro isso.
A crítica é ruim?
Com todas as restrições do mundo, pretendo votar em Olívio Dutra para governador. No entanto, não concordo mais com esse hábito petista, que já compartilhei, de defender todas as posturas do partido. É equivocado e diria, inclusive, que estamos pior por causa disso. É preciso que sejamos o tempo inteiro críticos, seja com quem for, pois só assim avançamos e podemos construir algo novo. Ou será que alguém ainda acredita em "socialismo democrático" por aqui?
Implicações de Davidson
Outras questões que põe Davidson é que todo conhecimento é obtido intersubjetivamente, mediante um processo que denomina "triangulação". Nada se dá de forma "solipsista", quer dizer, com o sujeito apreendendo e dando o nome à coisa. Ao contrário, não existe uma tal "linguagem privada", um diálogo mental com o si-mesmo, mas sim uma interação social que nos ajuda a construir o conhecimento. Imaginem o golpe que se dá na distinção sujeito/objeto, relativismo/essencialismo.
Outra questão é que, para Davidson, não existe algo como a linguagem. Assim como Rorty, Davidson não distingue a língua do tamanduá das nossas palavras. Ambas são apenas meios de adaptação, e não a linguagem como uma revelação da "verdade" ou "essência" das coisas. Somos, assim, apenas bípedes sem penas.
E, pensando nisso, cheguei a duas conclusões: primeira, que é impossível falar em evolução. Como provar que somos melhores que os tubarões? Porque temos a técnica? Ora, achar que isso seria uma evolução para os tubarões é puro nonsense; são seres aquáticos perfeitamente adaptados ao seu meio. Qualquer comparação com outro bicho será puro nonsense. Sentimentos e inteligência são apenas nomes, e é bem provável que os animais também os tenham. Segunda, no limite, não haverá distinção entre nós e a IA. Se somos fisicalistas, não existe nenhuma essência (alma) que nos diferencie deles --- ainda mais se seguirmos Matrix e vermos que "sentimentos são apenas palavras". Diremos que os robôs não são reais? Mas...what's real?
Novos textos
No Plug it in! vocês podem acompanhar minhas últimas resenhas --- Secret Machines e Richard Ashcroft.
Autocrítica (?)
Ao contrário do que havia prometido, meus posts não têm ganho tom intimista e tenho pouca coisa para contar por aqui. Pouca coisa interessante acontecendo; e os bons momentos são impublicáveis.
Moro na tristeza
Morada estranha --- me separo e junto.
Mas aqui é meu habitat.
Locus de orgulho e excesso.
Cansado.
Doce esteira onde caminho.
Por caminhos de pedras metafísicas.
Vales de insuficiência seca.
O ar etéreo de uma estação neutra.
Onde céu, mar e sol se tocam.
Numa conjunção
onde se encontram tempo e espaço.
Estou em um portal
Para um infinito para além do infinito.
Olho para qualquer direção
e todos os momentos são iguais
como a indicar
que tudo ocorre ao mesmo tempo ---
o tempo é uma ilusão.
Dimensões estranhas se apresentam
Entre-espaços e entre-lugares.
Pontos não-localizáveis.
Contínuos descontínuos.
Paradoxos indecifráveis.
Marada passageira.
Vagueio como um vagabundo dos sentimentos
Parasitando as ruas as emoções
Comprando a felicidade
em farmácias coloridas.
Me perdi em canteiros de traços e vermes.
Adocicado
Por caricaturas de fluor líquido
Deslizei
em montanhas de gelo seco
Tempestades atômicas
Hidrogênio líquido
Lixo nuclear.
Estou vivendo em terceira pessoa
Olhando por fora do meu corpo
Suprimi o atrito
Ah sim! O quero
Atrito. Atrito. Atrito.
E detrito.
Faço viagens por moradas de prazer.
Mas a minha casa é a tristeza.
Trilha sonora do post: Arctic Monkeys, "When the sun goes down".