Mox in the Sky with Diamonds

sexta-feira, março 03, 2006

Foucault, Deleuze ou Baudrillard?
Libertar-se das amarras. Por acaso, algum dia já pensaste em pensar o que passa na cabeça daqueles que dizem o que é certo ou errado? Em caso positivo, por acaso não foi uma espécie de vácuo? Ao que parece, somos todos infestados por um controle mental doentio, uma espécie de estrutura onipresente.
Daí a discussão existente entre Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jean Baudrillard.
Foucault foi o primeiro filósofo a pensar a questão do poder. Acrescentou ingredientes sociológicos, psicológicos, etc. Foucault usa a idéia de Jeremy Bentham, filósofo utilitarista britânico, da criação de um "olho central" no presídio que permitiria ao vigilante observar todas as celas sem ser, ao mesmo tempo, visto. Esse "olho" é o Panóptico. Foucault trata a questão do poder como o Panóptico: é uma espécie de cela fechada onde somos confinados e, a partir de estruturas disciplinares, constantemente vigiados. Mais: através de estruturas disciplinares fechadas --- escolas, manicômicos, prisões, conventos, fábricas, sala do psiquiatra ---, somos treinados e, ao final, moldados por estruturas que engolem nossa subjetividade.
A idéia reitora da filosofia pós-cartesiana, portanto, que era a noção de sujeito, perde força porque é engolida por estruturas disciplinares, transformando o sujeito em "assujeitado". Como falar do homem de Kant, Rousseau e mesmo Marx, por exemplo, um ser plenamente racional, autônomo, voluntário em suas decisões, depois de constatarmos que grande parte de nossas crenças são "moldadas" e que somos confinados em redutos prontos para aprisionar nossa consciência mediante adestramento?
Assim, a visão foucaultiana de sociedade, hoje em dia ainda extremamente influente, especialmente entre os pensadores da corrente pós-estruturalista francesa [dentre os quais, Deleuze e Baudrillard], comporta a idéia de que o ser humano é dominado e adestrado por estruturas de poder, e não por decisões racionais tomadas segundo nossos próprios interesses individuais. Foucault não fala sobre a "verdade na história", mas sobre a "história da verdade". Não lhe interessam um suposto "fundamento último" que aproximaria de uma "realidade" ou "verdade", mas sim como o poder, ao longo do tempo, define aquilo que é verdade e o que não é. Essa inversão metodológica, a rigor, abriu um flanco para vários estudos sobre o "biopoder", que significa o domínio exercido por essas estruturas disciplinares nos corpos humanos.
Gilles Deleuze, em artigo publicado por aqui no seu "Conversações", faz uma progressão geométrica do pensamento foucaultiano. Deleuze não discorda de Foucault quanto ao poder disciplinar: ele, no entanto, sinala que a era a que Foucault se referia já passou. Deleuze escreve que estamos, agora, não mais diante da "sociedade disciplinar", que adestrava mediante instituições fechadas. Estaríamos, agora, diante das "sociedades de controle", espécie de sociedade onde o controle se exerceria onipresentemente, a céu aberto.
Dessa forma, não precisaríamos mais estar diante de uma escola como instituição total. O controle é exercido de forma diferida: não mais estudar durante anos na escola e se graduar, mas a permanente necessidade de estudar. O controle não exige mais confinamento. Ele é diferido no tempo, um continuum. Todos são vigiados, todos devem, todos são dependentes de estruturas que aprenderam a se libertar da necessidade de confinamento e passaram a exercer seu domínio por extensão.
Jean Baudrillard, por fim, discorda de Foucault e Deleuze. Baudrillard acredita que o poder não se exerce mais da forma como os dois colocavam. Na verdade, Baudrillard vê o poder como uma hiper-realização de si próprio. O conceito de hiper-real é bem exemplificado pelo caso da pornografia. Será que, se assistimos ao vivo uma transa ou mesmo quando transamos temos acesso à mesma visão que temos quando vemos um filme pornô? Os closes são uma espécie de hiper-realidade: a realidade se inflaciona ao ponto de parecer uma simulação de si própria.
O poder, segundo Baudrillard, teria se hiper-realizado e, com isso, se dissipado na sua própria virtualidade. Assim, o poder, de estrutura disciplinar e de controle, transforma-se em espécie de infinita simulação de si próprio, descontínua e virtual. Um exemplo dessa simulação pode ser dado quando perguntamos "quem está por trás disso" e, no entanto, não conseguimos identificar. É como se redes de poder se alastrassem por infinita simulação de si próprias, reproduzindo uma espécie de ponto sem origem, virtual e indeciso. Por isso, a própria pergunta em torno do poder independe da sua real natureza: o simulacro é real.
Assim, temos três visões distintas do poder: na primeira, ele é disciplinar e exercido mediante adestramento em instituições fechados; na segunda, é exercido a céu aberto, mediante técnicas de extensão que permitem controlar a pessoa; na terceira, por fim, ele já perdeu seu conteúdo e passou a ser infinita simulação de si próprio.
No próximo post, vou fazer a crítica dessas tendências a partir dos pontos de vista de Norbert Elias, Jürgen Habermas e Richard Rorty.
Trilha sonora do post: Interpol, "Roland".