Mox in the Sky with Diamonds

terça-feira, março 31, 2009

A NOVA ESQUERDA

MUITOS DOS QUE LÊEM ESSE BLOG são "intelectuais" (expressão desagraçada, mas, vá lá...) e compartilham indignação em relação à injustiça no mundo, desigualdades indecentes, indiferença crescente, ideologias cínicas e aos preconceitos diversos. Cabe à nossa geração, que já é pós-Muro de Berlim e viveu ainda em época jovem a era do último suspiro (espero) da teologia do mercado nesses 20 anos, redesenhar o que é esquerda.
Já não nos identificamos com os partidos de esquerda que estão aí. Com seu viés economicista e anti-capitalista, parecem muitas vezes falar a língua do século XIX. Respiram dogmaticamente e vivem do enfrentamento direto com seu campo simétrico: a direita macartista, que por sua vez respira nos tubos do anti-comunismo e impõe o discurso cultural do conservadorismo. A par disso, ignorando toda essa disputa e formando o campo verdadeiramente hegemônico, o campo político da "religião capitalista" (Benjamin), pregando a teologia do mercado e absorvendo suas próprias profanações (drogas, sexo, rock, corpo, etc.). Enquanto essa esquerda carcomida teima em continuar no seu discurso quixotesco contra os conservadores, esse campo que envolve economia, administração, medicina e empresariado vai caminhando a passos largos, sem encontrar qualquer rival à altura.
É bom lembrar que o ocaso da esquerda não foi exatamente a queda do muro, mas a falência do Estado de Bem-Estar, desmantelado nas suas burocracias gigantescas e incapaz de pagar sua própria conta. A par disso, a esquerda continua repetindo a dicotomia Estado X Mercado, reprisando nostalgicamente os bons tempos que passaram. Para se renovar, a esquerda precisa se livrar, de vez, de qualquer resíduo soviético e parar de se identificar com o Estado.
Uma nova esquerda não significa terceira via. A "terceira via" foi uma solução insossa que apenas representou, naquele momento, a incapacidade discursiva da esquerda. Uma esquerda deve ser esquerda: quer dizer, aquele campo político que pretende "acelerar" o progresso, trazendo justiça a todos os viventes, independente das instituições que estão consolidadas e, se necessário, devem ser destruídas e substituídas por outras. Um campo político que ouve a agonia dos vencidos e procura socorrê-los na flecha da história que se arrasta e se repete como catástrofe. A esquerda deve ser, verdadeiramente, o lugar do marginal.
Portanto, essa esquerda não pode mais apenas ser sindical, do "trabalho" contra o "capital". As questões hoje são infinitamente mais complexas. Racismo, machismo, etnocentrismo, homofobia, industrialismo e militarismo são questões que passam ao lado desse problema. A esquerda, repito, deve ser do "marginal", não apenas do trabalhador.
Repetir os anos 50 e o Estado de Bem-Estar (que, nós, brasileiros, não vivemos) é um bom sonho. Mas nem o horizonte deve se fechar aí, nem precisamos repetir tudo com nostalgia. O Estado "forte" pode não ser o melhor caminho para implementarmos aquilo que achamos que é justo - ou seja, que todo ser humano viva com dignidade, independente da sua raça, sexo, opção sexual, crença, origem e produtividade. Isso significa muito mais do que uma mera igualdade formal vazia como a que está na Constituição. Significa, ao contrário, um especial cuidado com cada um, de acordo com sua diferença, naquilo que é o mínimo que se pode exigir. Por exemplo: creio que a maioria de nós consente que não é necessário que todos tenham ferraris; mas, ao mesmo tempo, a maioria dos esquerdistas gostaria que todos tivessem moradia, meio de transporte digno, auto-estima alheia a preconceitos, ambiente sadio de convivência, oportunidades de cultura e lazer, alimentação adequada e serviços de educação, saúde, previdência e outros. O grande erro parece querer vincular isso ao Estado, quando não me parece absolutamente necessário.
Na pauta da nova esquerda deve estar uma mudança de paradigma: da disputa com os birutas macartistas da Veja, devemos passar em definitivo para outra discussão. Não mais a inflação do Estado, com seus tentáculos kafkianos, mas o pensamento de formas de assegurar a todos a redução da violência no seu sentido mais amplo, quer dizer, da privação material e moral. Ao mesmo tempo, o tema do meio ambiente e do crescimento sustentável deve fazer parte da constituição desse novo universo. Pensar as demandas sociais sem ressentimento, as possibilidades de diálogo, reduzir as argumentações mirabolantes aos seus mínimos denominadores sem qualquer resíduo ético, tudo isso parece tarefa da geração que vem.

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sábado, março 28, 2009

LULA DIZ A VERDADE E APANHA POR ISSO




ACHO ENGRAÇADO como a verdade nua e crua às vezes provoca reações desesperadas. Alguns temas permanecem completamente reprimidos na esfera pública. E, como a psicanálise nos ensinou, a repressão não é algo bom. O racismo é um deles.
É proibido falar de racismo. Quem fala de racismo -- denunciando a aliança invisível e muitas vezes inconsciente dos brancos -- é, ele próprio, racista. [Percebam o título do vídeo no youtube.] Essa correlação de forças opacas deve permanecer no lugar do silêncio. Quem ousa denunciá-la é etiquetado justamente como aquilo que está denunciando. É tão absurdo quanto como se aquele que denuncia o tratamento desigual dos pobres fosse acusado de estar discriminando esses pobres -- porque diz que existem pobres. Ora, não dissermos que existem pobres, é como se não existissem, não é?
Ah, mas podem me argumentar: raça não é algo científico. Uh, que beleza. Mas sabemos que no mundo social as coisas não precisam ser reais para produzirem efeitos: não é porque não existiam bruxas no mundo medieval que várias mulheres deixaram de ser queimadas. É a tal profecia-que-cumpre-a-si-mesma. Portanto, embora não seja irrelevante a ausência de conceito científico de raça (permite deslegitimar todas as abordagens nesse sentido), isso também não modifica as estruturas sociais que funcionam a partir desse conceito. Eis o post mais bem escrito sobre o tema que já li.
Sabemos que, hoje em dia, são os imigrantes, os de cor escura, perfil pobre, origem na periferia, que são os perseguidos e estereotipados pelo sistema penal. São os nossos "bodes expiatórios". O que faz Lula? Ironiza, em grande estilo, isso, ao afirmar que a crise foi provocada por indivíduos de olhos azuis e cabelos loiros, provocando justamente a parcela que detém o poder e estigmatiza os demais, mostrando que ela pratica igualmente os delitos e infrações que condena moralisticamente sobre os da periferia ("índios, negros, etc"). A Criminologia sabe disso: quem tem mais poder pode até manipular o conceito de crime para que o estigma não cole sobre si [ex.: os governantes ingleses são "traficantes" porque vendem armas para regimes totalitários?].
E o que faz nossa imprensa estúpida*? Condena o Presidente, afirmando que foi uma "gafe". Gafe o c... Foi a verdade, esfregada na cara daqueles que vivem da ganância e quando têm que pagar o preço por isso simplesmente se fazem de desentendidos. Ah, que visão "limitada" da crise! Limitada? É preciso reduzir as coisas aos seus denominadores comuns: um modelo faliu. Não deu. A idéia da liberdade total do mercado financeiro não funcionou. Quebrou. E agora pede de joelhos socorro, fazendo a velha ameaça "se tu não me ajudar eu vou foder um monte de pobres". Que coisa feia!
É dessa coisa feia que falou Lula, e a imprensa internacional se fez de desentendida. A coisa feia de quem projeta seu lado obscuro sobre seus "outros" fracos, de quem discrimina e faz um tabu sobre falar da discriminação. Lula deu um tapa na cara dos europeus [é claro que "causou constrangimento". É para causar mesmo!]. O mesmo que o Governador Cláudio Lembo havia dado, tempos atrás, na "elite branca" paulista. Deu nome aos bois. Foi um dos maiores discursos de Lula -- de dar orgulho. E, por isso, escandalizou. Tão escandalizante quanto aquela verdade que sai do seu esconderijo e aparece na psicanálise: a de que somos tão repulsivos quanto aqueles que odiamos.
* Sem falar dos idiotas que querem "corrigir" o presidente, citando um executivo negro [hora, o fato de haver só UM apenas confirma a regra!] ou, pior, citando cor dos olhos e cabelos dos executivos. Dã!

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sexta-feira, março 27, 2009

O CONSERVADORISMO EM UMA CARTA

Ócio remunerado
O discurso da esquerda é mais simpático, pois defende que o Estado deve prover as necessidades do cidadão.
Para que isto ocorra, tributa-se em demasia quem trabalha. Quem produz deseja construir seu patrimônio, coisa inaceitável para os parasitas do Estado que sonham com o ócio remunerado.
Felipe Nobre -
Produtor rural – São Gabriel

É exatamente esse argumento, e mais nenhum, que povoou um anti-comunismo e, mais tarde, um anti-welfarismo raivoso entranhado nas faixas populares, muitas vezes usado por governos autoritários de direita [do fascismo à nossa ditadura militar].
Estou concordando com Rorty que as coisas são bem mais simples que parecem.

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quinta-feira, março 26, 2009

IDEOLOGIA LEVADA AO EXTREMO -- OU "O JORNALISMO INÚTIL"

QUER DESCOBRIR se um blog é ideológico, no pior sentido do termo? Bom, basta ver como ele anda abordando as polêmicas da polícia federal ou o caso Battisti. Se foi tomando logo posição contra Battisti, pretendendo descobrir ali um grande complô da esquerda internacional para salvar "os seus", e agora está criticando as intervenções da polícia federal, é pura ideologia de direita; se está do lado oposto em todos os casos, é pura ideologia de esquerda. Não é possível que os fatos SEMPRE estejam a favor de um lado. Os blogs mais estereotipados são, sem dúvida alguma, Reinaldo de Azevedo, pela direita, e Paulo Henrique Amorim, pela esquerda. Juntos, formam uma luta esquizofrênica cuja principal vítima é o leitor.
Por que estou falando desses casos? Simples: eles dependem severamente de matéria factual. Temos acesso a esses fatos? Não. Logo, muitas das pressuposições são simplesmente ideologia. Reinaldo está louco para provar que a Satiagraha está cheia de problemas. Paulo Henrique, que é a melhor coisa do mundo. Reinaldo já deve estar enchendo seu blogs com comentários sobre a perseguição KGB da Polícia Federal sobre a oposição; PHA deve estar condenando à morte todos os envolvidos no suposto esquema.
Já falei por aqui e repito: afastem-se dos veículos que estão sempre de um lado. Fatalmente, estão manipulando. É impossível um lado estar sempre certo; todos somos falíveis, frágeis, humanos.
Mas "ideologia" não é um termo gasto? De fato. Geralmente é usado pela direita, uma paradoxal herança do marxismo [os mais furiosos anti-esquerdistas são via de regra ex-marxistas ressentidos ou desiludidos], para acusar todo aquele que ousa contestar as tradições naturalizadas. Sabemos, no entanto, e já escrevi sobre isso aqui, que não existe descrição última da realidade, estamos enredados em jogos de linguagem que são também jogos de poder. Não existe linguagem transparente. Portanto, a palavra "ideologia" perde muito da sua força, à medida que seu contraponto [a "não-ideologia"] está na berlinda.
Isso significa que não existe a objetividade? Ora, mostrem-me UM filósofo que tenha dito isso. Vamos pegar dois supostos "relativistas": Michel Foucault e Jacques Derrida. Foucault alguma vez afirmou que não existe a verdade, que não existe objetividade? Gostaria que alguém me mostrasse isso. O que Foucault diz é que a verdade se produz mediante jogos de poder, que a verdade tem um "regime". Ou seja, ele não está dizendo que não existe a verdade, mas que a forma como escolhemos para abordar essa verdade está sempre imersa em uma estratégia de poder. Daí que, por exemplo, a investigação científica tenha nascido na inquisitio. Foucault alguma vez disse que a objetividade não existe? Nunca li isso. O que ele diz é que faz parte das estratégias de poder da nossa sociedade dar primazia à objetividade diante de outras formas de recepção da realidade. Um gesto bastante heideggeriano, diga-se de passagem.
Mas... e Derrida? O autor da desconstrução, afinal, diz que não existe pensamento absoluto, portanto tudo dá na mesma, certo? Errado. Derrida NUNCA disse isso. O que Derrida fez foi trazer a lume que existe uma série de elementos marginais (alteridade) que são sonegados em dicotomias que subjugam um dos elementos em oposição ao seu superior (belo/feio, fala/escrita, etc.). Derrida elimina a verdade? Como eu próprio recortei e coloquei aqui, Derrida nunca negou que o verdadeiro seja diferente do falso, mas que a verdade tem que ser inserida em quadrantes mais potentes, distintos da violência metafísica. O pensamento da desconstrução, assim, é extremamente rigoroso, como poucos foram. O que assusta alguns é o extremo anti-dogmatismo de Derrida [e esse susto deveria ser o que mais chama atenção, já que o filósofo é o anti-dogmático por excelência]. Derrida afirma que vale tudo, a ciência não diz nada nem prova nada? Nunca. Só diz isso quem não leu ou não entendeu. Ele diz, isso sim, que a ciência é uma dimensão da racionalidade, e que a desconstrução não hesita em mostrar como certas premissas supostamente inquestionáveis estão apoiadas em fracas [e violentas] contingências.
O que isso tudo significa? Que existe objetividade. Que, tratando-se da matéria factual, se espera de uma reportagem a objetividade. Não acredito no "grau zero" de ideologia. Mas o jornalista pode se policiar para deixar os fatos falarem por si, sem ser o Nietzsche-de-Heidegger que reduz tudo à sua "vontade" ideológica. A interpretação do mundo está desde sempre contaminada pela sua ideologia. No entanto, a matéria factual acontece brutamente; com a mesma brutalidade que uma criança sem alimento morre de fome, independente dos "bem-pensantes" pensamentos por aí elaborados. Uma reportagem que quer tratar um delegado como um araponga maluco merece total suspeição se não cumpre o gesto simples e óbvio de ouvir esse delegado, por exemplo. A disputa política legítima é transformada em manipulação dos fatos.
Fuja dos blogs excessivamente "ideológicos". Quando apontarem só num sentido, ligue o sinal vermelho: aquilo não pode ser tomado a sério.

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segunda-feira, março 23, 2009

SUPERESTIMAMOS OS CONSERVADORES

VENHO PERDENDO A PACIÊNCIA com a generosidade excessiva que dedicamos a contra-argumentar os conservadores. Por trás da nossa paciência está a crença de que por trás de um conservador existe alguém inteligente, culto e que apenas discorda de nossa opinião. A conclusão que tenho chegado é: geralmente não.
Há sociólogos desesperados em salvar as patricinhas e dondocas, outros querendo mostrar como a televisão e a moda são maravilhosas; outros filósofos querem deduzir fundamentações profundas acerca de crenças basicamente fascistas. Não creio que haja grandes coisas para se achar no meio desse palheiro. Via de regra, o conservador é um idiota. [Rorty disse algo parecido.] Via de regra, tem sua mente poluída por preconceitos espúrios [racismo, homofobia, machismo, xenofobia, etnocentrismo] e dogmatismos inaceitáveis. Não hesita em usar a violência [verbal ou braçal] para impor suas opiniões. Não está aberto ao debate. Suas "bem-fundamentadas" opiniões contra qualquer um que não tenha poder são, na verdade, pura e simples fachada de uma visão da sociedade hierarquizada em que "cada um deve ficar no seu lugar".
Esses "pensadores" conservadores geralmente são imbecis que se escondem atrás de argumentos rasteiros e pobres. Não raro -- até tem uma revista fazendo escola no assunto -- se protegem ofendendo o adversário ou usando macartismo barato.
Esses "pensadores" conseguiram, em uma década, convencer os "eremildos" que:
a) para maior justiça social, é melhor dar mais dinheiro aos mais ricos que aos mais pobres;
b) é melhor prender os pobres do que financiar escolas, benefícios sociais e outras medidas;
c) é melhor investir em orçamento militar e guerras do que financiar avanços de prosperidade econômica e diálogo intercultural entre países;
d) se os ricos quebram, é preciso salvá-los, pois senão eles vão pegar e foder um monte de pobres [Lema da atual crise econômica];
e) um indivíduo passeando de ferrari em meio a gente vivendo no meio de cocô é algo perfeitamente natural e os do cocô devem aceitar isso "civilizadamente";
f) não existe injustiça social. Os melhores estão nos melhores lugares porque merecem. Toda luta contra isso é "golpismo" ou "atentado ao Estado de Direito";
g) todos devem trabalhar feito cavalos para chefes que querem comprar um iate novo a cada mês. Quem não trabalhar é loser e deve ser repelido. Para onde? Não sei [se duvidar, para a prisão];
h) ninguém é capaz de ter qualquer sentimento solidário ou generoso. Todos são egoístas e agem por auto-interesse. Quem tenta algo em favor de outro é porque planeja uma vantagem futura para si;
i) o mercado é o agente da bonança. Quando dá merda, deve-se dar o que ele precisa e deixá-lo que nem criança mimada: gastando, mandando e exercendo sua perversão sem qualquer limite;
j) o mundo não tem salvação mesmo e o negócio é dividi-lo em dois blocos. Os "de bem" e os "problemas". Os "de bem" abrangem os ricos e todos os pobres disciplinados e submissos que aceitam trabalhar para esses ricos. Os "problemas" devem ficar bem longe, de preferência na prisão;
l) há um movimento avassalador que impede o "de bem" de exercer seu legítimo machismo, racismo, homofobia, xenofobia e etnocentrismo. Tudo isso é perfeitamente "neutro" e a "patrulha" que reclama é "ideológica";
m) se tem gente morrendo de fome, problema é dessa gente. Quem tenta ajudar é "paternalista" ou "assistencialista". O importante é obedecer a lei;
n) o pobre que espere o "progresso". Um dia ele lhe dará riqueza; até lá, que vá morrendo de fome mesmo, porque se roubar comida é bandido;
o) o negro que espere o "progresso". Um dia não haverá mais preconceito; até lá, que vá se fudendo na vida, porque se quiser cota é racista;
p) os índios que se fodam. Como pode ainda não termos matado toda essa porcaria?
q) Bolsa-família para pobre é assistencialismo. Bolsa de mestrado para rico é investimento;
r) os empresários "tocam o Brasil". Logo, os empresários podem tudo, inclusive praticar exploração econômica, devastar a natureza e usar monopólios;
s) a melhor forma de lidar com a pobreza é extinguir os pobres (controle de natalidade);
t) ideológico é o outro. Eu sou perfeitamente "razoável";
Etc.
Parece absurdo? De fato, é. Como eu disse, é muita boa vontade nossa debater com gente assim.

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terça-feira, março 17, 2009



DE VOLTA AO PLANETA TERRA

"THE BENDS" -- adolescência rebelde, melancolia do mundo falso do espetáculo.
"Ok Computer" -- imersão profunda no mundo contemporâneo, frieza e opacidade do cotidiano das grandes cidades.
"Kid A" -- mudança para outro planeta, terra natal das máquinas com seus hinos e nomes paranóicos e esquizofrênicos.
"Hail to the thief" -- alienígenas encaminham mensagens terroristas para desestabilizar o controle terrestre.
"In Rainbows" -- seja bem-vindos de volta à Terra.

Depois de toda parafernália instrumental que levou a banda a migrar de um estilo para outro, e dali ir e voltar ir e voltar, o Radiohead resolve finalmente estacionar novamente em praias conhecidas: o rock. "In Rainbows" é isso: um disco de rock extremamente sofisticado e bem produzido, mas apenas um disco de rock. Nada da maquinaria inumana de Kid A/Amnesiac, nada da confusão quebradiça de HTTT; simplesmente o Radiohead tocando para o público novamente. E como é bom.
Não que a banda tenha retornado a fazer músicas como fazia 12, 13 anos antes. É claro que não. Você pode viajar para um lugar distante, voltar para sua casa e ficar melancólico, pesaroso da mediocridade de onde você vive. Mas você também pode viajar, conhecer vários lugares distantes, e, depois de acumulada toda essa experiência, voltar a conversar com seus antigos amigos sobre tudo que vivenciou. É o caso de "In Rainbows". Não haveria como voltar ao que era antes de "Kid A", como os mais conservadores e nostálgicos desejariam, mas voltar a tocar como em "The Bends" depois de ter passado por "Kid A". Trazendo, na bagagem, a experiência de ter saído de si mesmo e visto tudo com outros olhos.
Foi essa a sensação que me passou "In Rainbows". Tudo está exatamente no lugar certo, com a perfeita simbiose entre os recursos utilizados, das baterias eletrônicas às guitarras e seus riffs, dos samples e sintetizadores ao vocal mais cru e o contrabaixo marcante de, p. ex., "Weird Fishes/Arpeggi". Tudo ali está no seu devido e perfeito lugar. É como se o acabamento que [a meu ver] faltava em "Hail to the thief" estivesse aqui perfeitinho, fazendo as canções redondinhas.
É simplesmente a melhor banda do mundo tocando para nós. Quer mais? Gente como Paul McCartney e Roger Waters já derramou seus elogios ao Radiohead. Da nova geração, poucos puderam ignorar o furacão que passou pelas suas cabeças. A mídia fica praticamente de joelhos para a banda. A decisão de furar a gravadora botando das canções na internet pode ter marcado nova era, apesar dos protestos de alguns outros artistas que não aceitam o tempo passar.
"In Rainbows", musicalmente, é um álbum tremendo. Nenhuma música ruim. Das mais anfíbias entre o eletrônico e o rock como "15 steps" e "All I need", passando pelos rocks diretos "Bodysnatchers" e "Jigsaw falling into place", os climões "Nude" e "Weird Fishes" até chegar nas belíssimas baladas "Reckoner" e "House of Cards" -- tudo é perfeitamente encaixado. Quem ouviu com cuidado os discos do Coldplay e do Portishead ano passado pode perceber que "in Rainbows" já está produzindo influência. Inevitável. Nenhuma banda atual foi alvo de tanta admiração quanto o Radiohead.
E é isso. Já falei bastante desse disco por aqui e despejei meu xiitismo para vocês. Agora com licença, tenho que ir aos shows.
Abraços!
:D








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sexta-feira, março 13, 2009


TERRORISMO MUSICAL

"HAIL TO THE THIEF" é o álbum mais diretamente político do Radiohead. Impossível não mencionar a relação com o lema de George W. Bush ["Hail to the chief"] e a ironia desde o título. Assim como várias grandes bandas [ex. os Flaming Lips com "At war with the mystics"], o Radiohead também não suporta ver a obscenidade do líder do Império e sua paranóia delirante e corrupta após o 11 de setembro.
E, se "Hail to the Thief" é um álbum político, sua estratégia é o terrorismo. Mensagens cifradas, ironias incompreensíveis, ritmos quebrados e raivosos. O Radiohead usa a máquina da linguagem pura, sem significado, contra a indústria cultural. Lança palavras desconexas ao vento, explora doenças de coelhos, frases sem sentido, demonstrando uma alternativa à crítica tradicional que é quase inofensiva em relação ao astronômico poder midiático [uma das armas do Governo Bush]. É como se, em resposta a "Você não tem medo de ser vítima de Anthrax?", eles respondessem: "Comi meio melão hoje pela manhã, peixes são bonitos e passaram dois carros pela minha garagem".
O terrorismo da linguagem é a estratégia que joga a linguagem contra si mesma, comunicando a sua própria incomunicação. Dessa forma, a linguagem torna-se gestual [sem significado] e atinge o nervo do funcionamento do mecanismo do espetáculo, causando espécie de pane no sistema. "Hail to the thief" é um vírus desde a sua bela capa, que cola mensagens sem qualquer finalidade que não seja parodiar esse máquina de fabricação de informações. Emenda "Myxomatosis" com "2 + 2 = 5". Parodia o espetáculo do medo e da canalhice a partir da lógica do absurdo, levando o modelo "supermercado" até a própria comunicação da música. "2 + 2 = 5" é uma referência bastante nítida a Bush e sua eleição fraudulenta, espelhada em uma máxima orwelliana e repleta de ironias. Impossível também não notar a referência à guerra do Iraque em "There there" ("just cause you feel that, doesn't mean its there...").
E mais terrorismo:

- "I will eat you alive" ("Where I end and you begin");
- "We suck young blood" ("We suck young blood");
- "They you suck down / to the other side" ("The Gloaming");
- "I got myxomatosis" ("Myxomatosis");

E "I Will" inteirinha:

I Will

I will
lay me down
in a bunker
underground
I won't let this happen to my children
meet the real world
coming out of your shell
With white elephants
sitting ducks
I will
rise up
Little babies' eyes, eyes, eyes, eyes
Little babies' eyes, eyes, eyes, eyes
Little babies' eyes, eyes, eyes, eyes
Little babies' eyes, eyes, eyes, eyes, eyes, eyes

Musicalmente, "Hail to the thief" mostra o retorno das guitarras e dos riffs em alta intensidade, ainda que permeados de eletrônica confusa, ruídos, palmas, percussões e o escambau. A viradas de ritmo mostram maestria da banda e perfeito domínio dos recursos que manuseia. Entretanto, confesso que acho que o acabamento das canções, considerando o nível do Radiohead, poderia ter sido melhor trabalhado [a própria banda admite isso, dizendo que a crueza foi intencional]. Aparentemente, aqui a perfeição simétrica de "Ok Computer" e "Kid A" foi deixada de lado em nome da dispersão e do incômodo ao ouvinte, que demora algumas vezes até se acostumar com o exotismo do álbum [a prova desse pequeno "desleixo" pode ser obtida no confuso EP "Com Lag" -- comparem HTTT e CL com "Ok Computer" e "Airbag EP"]. A audição é toda quebradiça e esvoaçante -- freqüentemente a melodia se quebra em pedaços.
"There there" e "2 + 2 = 5" retomam o clima "The Bends" e por isso fazem alguns fãs gozarem; "The Gloaming", "I Will" e "Where I end and you begin" são apetitosos resumos de todas as fases da banda; "We suck young blood" é provavelmente a única música com palminhas triste pra cacete; "Myxomatosis" é monstruosa e pesada; enfim, o álbum todo é uma bela combinação do estilo "Amnesiac" de arranjo quebrado com a entrada de guitarras mais rasgadas. Aparentemente, o terrorismo ficou acima até da qualidade das composições.
A breve queda no padrão musical altíssimo será recompensada no próximo álbum.






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quarta-feira, março 11, 2009


O INUMANO

KID A. Poucos refletiram sobre o título desse álbum que, repetindo seu antecessor, pode ser catalogado como "conceitual". Poucos fizeram o elo entre "Kid A" do título e a canção "Kid A", que traz apenas um incompreensível murmúrio maquínico que acompanhado teclados frios e mensagens nonsense.
"Ok Computer" é a descrição da nossa época contemporânea. Indiferença, técnica e solidão existencial são componentes desse mosaico que compõe o habitante híbrido da metrópole dos nossos dias. Ok, computer é a primeira tentativa de simbiose entre homem e máquina, refratando os efeitos num espelho. "Kid A" mergulha profundamente na distopia melancólica que se apresenta pela frente.
"Kid A" é o anúncio de um futuro distante em que as máquinas venceram. Se um dia dialogarmos com as máquinas, "Kid A" certamente seria uma boa tentativa. O universo da cidade poluída, consumista, indiferente é substituído por aquele mundo negro e vazio que agora são as máquinas que administram. Um mundo pós-humano. Se "Ok Computer" é a fase seguinte da melancólica desilusão de "The Bends", "Kid A" é a fase seguinte da transição homem/máquina de "Ok Computer": o inumano.
"Ice age coming", anuncia "Idioteque" - surtada, gritando aos berros. "Everything in its right place", anuncia um robô paranóico desesperado pela ordem na primeira proto-música -- e repete, repete, repete. "Kid A" (a música), o nascimento da primeira criança "A" - anônima, igual, pura máquina. "The National Anthem": confuso hino nacional de um mundo de robôs alucinados. "In Limbo", "Optimistic", "Motion Picture Soundtrack" -- todos hinos de melancolia em um mundo já não mais habitado pela carne, um mundo anti-sangüíneo, um mundo em que o ser humano faz parte do passado e agora é comando por máquinas em programação esquizofrênica. "Kid A", o oposto simétrico de "The Bends".
Que bandas tiveram a capacidade genial de emendar DOIS álbuns conceituais, renunciando no posterior a tudo aquilo que fizera antes? Que bandas têm coragem de se reinventar ao extremo, em nome da crítica mais visceral à sociedade do espetáculo em que vivemos? Que banda que, evitando ser capturada pelo espetáculo, emite sinais cada vez mais confusos e apela para a paródia a fim de implodir o sistema?
No jogo contra o espetáculo, Kurt Cobain, há alguns anos, vira que o underground -- anti-espetáculo por definição [surge confrontando o "glam"] -- havia sido absorvido pelo próprio espetáculo, naquilo que Giorgio Agamben define como a capacidade da "religião capitalista" absorver suas próprias profanações. O Radiohead tenta escapar da armadilha invertendo o princípio e absorvendo o espetáculo como uma paródia sem qualquer resto de humor. A técnica é levada ao extremo -- até o ponto absurdo [lembrando o esforço kafkiano de ser mais realista que os "realistas", justamente por excedê-los no absurdo]. O país do Radiohead não tem mais nome, só imagens esparradas e sem nexo algum, como a máquina girando no vazio e exibindo a pura comunicação sem conteúdo. "The National Anthem" é um punhado de sons atordoantes que só podem refletir a doença humana. "How to disappear completely" é a evasão absoluta desse mundo -- estratégia adotada por "Kid A" ao imergir profundamente no inumano.
Essa virada temática -- do adolescente "Pablo Honey" e o melancólico "The Bends" aos gélidos últimos álbuns --, a sonoridade se transforma completamente e abandona qualquer vinculação ao rock tradicional. "Kid A" é a experiência do rock levada até a sua borda máxima, dançando na fronteira com a música eletrônica. O projeto inumano precisa de mais recursos que Thom Yorke não hesita em buscar na IDM, nos retro-futuristas do Kraftwerk, no trip hop e até no free jazz. É equivocado, no entanto, afirmar que "Kid A" abandona a "melodia"; é justamente esse o único elo que permanece com o rock'n'roll. "Kid A" é extremamente melódico e simétrico, ainda que por vezes deseje soar loucamente como esse mundo futuro povoado pelo inumano.
Levando a experiência do rock até a borda, o Radiohead conquista uma legião de detratores. Passa a ser odiado pela ala mais conservadora que reivindica a pureza aqui completamente destroçada, deixada de lado em nome da submersão absoluta nesse mundo pós-humano. A absoluta profanação do rock. O projeto gestual é demasiado ambicioso para alguns. Para outros, revela a genialidade de uma banda que não se conforma em lançar apenas uma obra-prima. Abre os anos 2000 e provavelmente os fechará como melhor disco.
Das belíssimas baladas ["How to disappear completely" é a música favorita da banda], passando por desvairios experimentais ["Everything in its right place" e sua monotonia paranóica, "The National Anthem", cheia de elementos jazzísticos], variações climáticas ["In Limbo", "Motion Picture Soundtrack", "Treefingers"], a épice "Morning Bell" até clássicos de pista como "Idioteque" -- todas compõem um álbum fechadinho, extremamente bem trabalhado e produzido, ousado, capaz de absorver a tecnologia na maior radicalidade. Considerado espécie de rompimento com o rock por ter rompido com as guitarras [o que não é verdade; "Treefingers", por exemplo, é com guitarras -- o que não há são os riffs rasgados de Greenwood que marcaram época].
E se alguma dúvida havia que o Radiohead estava acima de todas as outras bandas, aqui a dúvida é abandonada por toda mídia musical. A banda passa a ser venerada como a vanguarda do rock. O rompimento de estilo [que só encontra comparação na história dos Beatles, de quem o Radiohead é o legítimo sucessor, e não o Oasis, que é sucessor dos Stones] é feito com lisura, precisão, maestria e absoluta propriedade. "Kid A" é a prova poderosa da superioridade musical e intelectual do Radiohead sobre todos os seus contemporâneos.




(Ao contrário do que diz a legenda, essa não é versão do álbum).


(Vídeo não-oficial).


(Vídeo não-oficial hilário. Lembrança: "Kid A" não tem vídeos).

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segunda-feira, março 09, 2009


A GÉLIDA CONTEMPORANEIDADE

SE O RADIOHEAD TIVESSE parado em "The Bends", seria uma grande banda, mas seria apenas mais um brilhante grupo de britpop, ao lado de Oasis, Blur e outros. "Fake Plastic Trees" e "Black Star" seriam clássicos ao lado de "Don't look back in anger" e "There's no other way". E já seria bastante coisa. Baladas melódicas, letras críticas e singles inspirados são componentes de grandes álbuns, mas essa grandeza é compartilhada por várias bandas. É somente com "Ok Computer", em 1997, que o Radiohead se apresenta como excepcional.
A despeito de eventuais referências possíveis ["The Dark Side of the Moon" é a mais óbvia], "Ok Computer" é a certidão de nascimento da primeira banda do século XXI. Ou algo próximo disso.
Embora recheado da melancolia extrema, já não lembra mais "The Bends" na sua doce e quase romântica crítica juvenil. Aqui, ao contrário, trata-se de uma melancolia gélida, quase opaca. Mais que um "xingar" o vazio, aqui se trata de viver no vazio. Não se trata mais de roqueiros criticando seu mundo; trata-se da construção de um gigantesco espelho da contemporaneidade. "Ok Computer" é menos "sangüíneo" que "The Bends" - sua fria técnica é o sinônimo da era da indiferença, do anonimato, da serialização e dos campos de concentração. A repetição midiática parece bater aqui enquanto um mantra que enuncia o ritmo tortuoso da vida contemporânea. A sujeira das cidades, a publicidade abusiva, o consumo como felicidade desidratada, a glorificação da tecnologia, o vazio da solidão, a substituição de um tempo vivido por um tempo paralisado na monotonia da rotina sufocante e estressante, a velocidade desnecessária, a esquizofrenia coletiva - todos esses elementos compõem o mosaico dos nossos dias desenhados no "conceito" de Ok Computer.
"Ok Computer" - o título já diz muito. Desta vez, o Radiohead não enfrenta o computador com a fragilidade do humano, com a melancolia extrema de canções tocantes (ex. "Nice Dream") e guitarras cortantes, mas se entrega plenamente a ele - deixa-se levar pela tecnologia e nela embarca. Daí que esse mosaico humano/inumano componha o tempo inteiro esse disco ambivalente, aventura em que a combinação rock/eletrônica atinge o topo. Os seres habitantes do álbum não são mais jovens rebeldes de jaquetas de couro e calças jeans, mas híbridos melancólicos que transitam entre o homem e a máquina. Como a criatura que alimenta de "Paranoid Android", sinceramente alucinada naquilo que não sabemos se tratar de delírio ou de puro e simples absurdo kafkianamente realizado. Aquilo que era calor e sangue em "The Bends" aqui é frio e técnico, como o nosso mundo repleto de angústia, desespero, stress e desesperança.
A máquina pela primeira vez pode entrar pela porta da frente. Ok, Computer. Nosso sonho de pureza humana foi despedaçado. Nenhuma lágrima e ser derramada - ela congelaria.
É assim que a aventura inicia na ironia do "Airbag", passa pelo delírio de um andróide paranóico, mergulha nas profundezas da melancolia sem arredar o pé um centímetro em "Subterranean Homesick Alien" e "Exit Music (for a film)", desvela a solidão da cidade sem vida em "Let down", crítica o controle social em "Karma Police", destrói o consumista-vazio contemporâneo em "Fitter Happier", provoca choques elétricos na política em "Electioneering", devasta e arrebata em "Climbing up the walls", entristece no mundo sem esperança de "No surprises" ["no alarms and no surprises... Silence"] e completa o mergulho na completa ausência de sentido nas gélidas "Lucky" e "The Tourist" [crítica que antecipa Bauman na metáfora do turista - hey, man, slow down! slow down, idiot"]. Quando o álbum termina, a tristeza absoluta que paira talvez seja capaz de provar musicalmente a similitude entre a tecnologia do consumo e a que fabricou os campos de concentração. Frieza e opacidade entre ambas.
E, musicalmente, "Ok Computer" também é genial. Ok, Computer. Fórmula que, de certa forma, reduz hoje o rock'n'roll a um esforço nostálgico levado deliciosamente a cabo por bandas como os Strokes ou os Libertines. Depois dele, o rock jamais pôde ser o mesmo, contaminou-se para sempre da eletrônica e mutou-se para outro formato. Tudo que é diferente parece respirar o ar da ingenuidade.
Não há como descrever a sensação de plenitude que passa ao ouvinte de "OK Computer". Cada textura de guitarra parece ter sido minuciosamente planejada, em sincronia absoluta com os demais instrumentos. O que dizer dos teclados que explodem em "Exit Music (for a film)"? Ou do encontro de vocais que culmina em momento redentor em "Let Down"? Da virada melódica perfeita levada a cabo por "Paranoid Android"? [Considero a comparação com "Bohemian Rapsody" ofensiva.] O que dizer das novas baladas, desta vez conduzidas sem momentos explosivos, na mais pura tristeza desesperançada, como "Karma Police", "Lucky" e "No surprises"? Da agressividade que começa em "Electioneering" e engole o ouvinte em "Climbling up the walls? Todo contorno melódico parece absolutamente perfeito, simétrico, cuidadosamente trabalhado até o ponto-limite.
O que mais dizer de "Ok Computer"? Que não é apenas irônico, mas assume o risco de levar ao extremo a vida contemporânea na crítica mais corrosiva levada a cabo por uma banda de rock? Que o ouvinte que presta atenção não pode sair senão devastado ao constatar a brutalidade das estruturas frias que corróem qualquer momento de "calor" que poderia dar vida a esse mundo indiferente, asséptico, consumista e vazio? Que é um trabalho de espelho, capaz de dilacerar a nossa cultura por dentro, extremando os seus conceitos-chave? O que dizer do robô que narra a vida do típico cidadão de classe média em "Fitter Happier" e parece escancarar justamente a natureza maquínica desse homem?
Não tenho mais nada para dizer.
Só que, para mim, isso é o que melhor foi feito em termos de música por um ser humano.








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domingo, março 08, 2009


A MELANCOLIA DA ÁRVORE PLÁSTICA

DEPOIS DE UM PRIMEIRO álbum bem sucedido, "Pablo Honey" (2003), em que havia emplacado um grande single ["Creep"] e outros muitos bons ["Anyone can play guitar", "Stop whispering"], o Radiohead se desliga ao mundo grunge das guitarras elétricas, niilismo-punk e rebeldia juvenil para elaborar sua primeira obra própria [terá influenciado a morte de Kurt Cobain? É provável] - "The Bends" (1995).
"The Bends" traça um dos principais cânones do britpop, que mais tarde irá ser repetido pelo Travis, Coldplay, Keane, Doves e Starsailor [evidentemente, sem a mesma competência]. Um conjunto de baladas de melodias poderosas e belos arranjos de violão povoavam o álbum, recheado de uma melancolia ainda doce e desiludida - daí temas como "Fake Plastic Trees", "High and dry", "Street Spirit", "Nice Dream" e "Black Star". Fora isso, Johnny Greenwood dá um show de guitarra ao praticamente elaborar um novo estilo de solo e uma forma diferente de conceber um arranjo limpo, mas pesado e barulhento. Músicas como "Just", "My Iron Lung", "Bones" e "The Bends". O estilo do Radiohead, contrastado com Oasis, Blur, Pulp e Verve, já está demarcado.
O que caracteriza musicalmente "The Bends" é ser uma usina poderosa de singles, produzindo um dos álbuns com provavelmente o maior número de músicas possíveis que poderiam estourar com facilidade. Das belíssimas e cativantes "Fake Plastic" e "High and Dry", donas de viciantes violões e influenciadas por Jeff Buckley, passando por "Nice Dream" e "Black Star", alternando entre a leveza pop e explosões furiosas, até "Just" e "My Iron Lung", com uma agressividade roqueira típica e guitarras em altos volumes. O álbum é um empilhado de grandes músicas, uma atrás da outra.
Mas outro aspecto de "The Bends" merece ser realçado. É o primeiro lampejo, espécie de prenúncio, do que viria mais tarde. Não apenas pelas guitarras entrelaçadas e tocadas como se fossem uma britadeira penetrando nos tímpanos do ouvinte, nem pela beleza das baladas que saem límpidas em falsete sem soarem clichês, mas pela melancolia tensa em relação ao nosso tempo. O niilismo-punk de "Pablo Honey" pela primeira vez é transformado em espécie de melancolia da nossa época e crítica da superficialidade da sociedade do espetáculo.
Se o Radiohead nasce já bastante próximo do Nirvana, parece claro que ambas bandas conjugam um desapreço desconfortante em relação à indústria cultural. Não suportam, têm dificuldade de conviver com a cultura do showbizz, sua superficialidade, a exibição pura e simples do vazio, a cultura do espetáculo. Embora ainda inserido nessa cultura [como o Nirvana], o Radiohead começa a reagir em forma de ironia: em "Fake Plastic", o mundo é falso e plastificado, cantado melancolicamente como a ausência da árvore "real"; em "High and Dry", a adolescência rebelde é ironizada, como se tirasse sarro da "malandragem" que mais tarde parece apenas ingenuidade da idade; em "Sulk", o comodismo, a conciliação com o insuportável que repete os erros dos nossos pais; em "Just", você é ensinado a ser uma "vaca sagrada", sem falar do clipe que parece questionar algo muito profundo em nós mesmos.
Ainda de forma doce e romantizada, o Radiohead começa o trabalho de devastação da cultura do espetáculo a partir da explicitação do vazio, do "plástico" que materializava o artificial de tudo aquilo, a falta de espontaneidade e de assunto mesmo de todo aquele mundo. "The Bends" ainda é a última respiração nos tubos do rock'n'roll - é o último arroubo, com guitarras herdadas dos Stones, dos punks e mesmo dos shoegazers [com paredes leves de distorção e microfonia] -, da fúria jovem contra um mundo estúpido, já começando a ser descrito como um caminhão de vazio e criticado mediante ironia. O "mundo adulto" é ridículo desde o início, mas também o "mundo adolescente" e tudo que o rodeia começa, aos poucos, a parecer pálido e inofensivo.
O próximo passo - superador em termos críticos do rock'n'roll e toda sua rebeldia adolescente [é curioso que, na mesma época, o Oasis cantava precisamente "Live Forever" e, poucos anos depois, "Stay Young"] - somente seria dado, no entanto, por "Ok Computer". E esse será o tema do próximo post.



"Just"


"High and dry"


"Fake Plastic Trees"

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sábado, março 07, 2009


RADIOHEAD OVERDOSE'S

NOS PRÓXIMOS CINCO posts, me obrigarei (mesmo!) a escrever cinco textos sobre o Radiohead, comemorando sua chegada ao Brasil (e minha presença nos DOIS shows!). Os textos trarão a minha visão da banda - do ponto de vista musical e cultural - pretendendo abocanhar o que eu considero de genial no Radiohead do ponto de vista do rock e do ponto de vista da crítica cultural. Pretendo provar, com eles, que o Radiohead é a melhor banda da atualidade - pelo menos desde "Ok Computer" (1997) - e que fizeram a mais devastadora crítica da sociedade contemporânea no âmbito do rock'n'roll.
Os posts tratarão, sucessivamente, de "The Bends" (1995), "Ok Computer" (1997), "Kid A" (2000), "Hail to the Thief" (2003) e "In Rainbows" (2007).
Embora não considere "Pablo Honey" (1993) um disco fraco, coloco-o dentro de outro contexto; "Amnesiac" (2001), que também não acho fraco, é apenas uma continuação mais fragmentada (e um pouco menos inspirada) de "Kid A" - portanto vai junto.

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sexta-feira, março 06, 2009

PT - UM PARTIDO PERDIDO

A ÚNICA DEFINIÇÃO POSSÍVEL para o PT hoje em dia é essa: "perdido". É um partido sem rumo, sem cara e mais nu que os demais. É mais nu justamente porque - ao contrário da grande maioria - não pretende se assumir como fisiológico mas, ao mesmo tempo, vacila em propor qualquer intenção programática.
O PT é, hoje, um partido decomposto. Oscila entre o fisiologismo sindical e o quixotismo pré-Muro de Berlim. Entre Delúbio Soares e Emir Sader. Não consegue apreender os méritos do Governo Lula e apresentar um sucessor. O resultado é uma candidata sem expressão, praticamente tapa-buraco, que não tem nenhum prestígio político e não deixa grandes esperanças.
O PT está distante do Governo Lula. Na eterna indefinição entre assumir-se "lulista" ou manter a plataforma tradicional. Não quer correr o risco de assumir o "lulismo" na sua integralidade: de um lado, pelo defeito crônico da corrupção e do fisiologismo; de outro, pela incapacidade de renovar-se enquanto esquerda e assumir nova orientação ideológica, distante do "socialismo" e todo marxismo encardido que acompanha. Com isso, flutua indefinidamente entre os dois, como um barco sem rumo. A ausência de candidatos ao Governo do Estado e à Presidência é o reflexo límpido desse beco sem saída, da dificuldade de renovação dos atores e da limitação do quadro partidário.
Desejaria uma renovação completa do PT. De um lado, para assumir postura clara contra o fisiologismo e a corrupção, expurgando dos seus quadros todos os carrapatos sindicalistas que são a contrapartida pobre da política como negócio. De outro, tirando a hegemonia discursiva dos quixotes do socialismo marxista, delirantes na paranóia anti-midiática e incapazes de falar de temas contemporâneos básicos como violência, meio ambiente, educação e esfera pública. Para isso, talvez fosse necessário fundar outro partido, porque os quadros petistas não apontam para nenhum desses tópicos. Salvo, talvez, petistas sem poder [e por isso muitos ex-petistas] como Marina Silva, Marcos Rolim, Fernando Gabeira, Eduardo Suplicy. [O PSol certamente não é esse lugar - mas apenas caricatura do PT.]
Mais caricato que isso é só a suposta "nova cara" do PT, composta por candidatos vazios e sem convicção que se elegem na base publicitária. Nossa Maria do Rosário - que eu gostava até a última eleição - é uma boa visão desse PT vazio e oco, agarrado à popularidade de Lula e incapaz de assumir posições fortes, mas para além da ideologia rasteira tradicional.
O PT ainda é essa fratura entre a fisiologia com a cara de Silvinho Pereira, Delúbio Soares, José Dirceu, e o quixotismo-xiita de Raul Pont, Emir Sader, Tarso Genro. Por isso, não tem alternativas à presidência. Talvez Barack Obama e sua visão do contemporâneo pudesse ser uma inspiração do PT, pois inclusive se preocupa com a redistribuição de renda. Talvez um dia o PT tenha cara não de Emir Sader, mas de Jurandir Freire Costa ou Juremir Machado da Silva. Talvez.
Por enquanto, o PT está anacrônico demais.
.
[Porém, se falei dessa forma do PT, é porque acho os outros partidos ainda piores. Dentre as opções, ainda me parece a menos pior. Ainda prefiro - eca - votar em Dilma Roussef que José Serra, ou ler Emir Sader que Reinaldo Azevedo. Meus amigos antipetistas votaram na Yeda e não creio que estejam muito satisfeitos com o resultado...]

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quinta-feira, março 05, 2009

ADICIONANDO NOVOS BLOGS

Imagine uma bula. Uma bula que te recomendasse tomar xarope de cabeça pra baixo exatamente ao meio-dia no solstício de inverno, e assobiando. Imagine agora que essa mesma bula te dissesse, no último parágrafo, que "Nós não garantimos o resultado, nem te protegemos contra efeito colateral. Se a casa cair, a culpa será só sua." O remédio é sempre perfeito. O paciente é que prejudica.


Genial, não? É a descrição do liberal puro e sua explicação para o fato de a receita nunca dar certo. Está aqui o blogueiro. A Torre de Marfim, by the way, anda explicando o Bolsa-Família para crianças.
Recomendo EFUSIVAMENTE também o blog Liberal, Libertário, Libertino. Duvido que se algum de vocês acessar a categoria "raça" possa permanecer contrário às cotas ou adeptos dessas posições insossas que fazem a mestiçagem fazer desaparecer o racismo como relação de poder. Eis o post definitivo sobre o tema, que eu gostaria de ter escrito.
Ao lado também gente conhecida como Márcia Tiburi (texto chato esse último, mas o blog vale a pena) e Caetano Veloso.
Pelo amor de Deus, não deixem de acompanhar a coluna de Juremir Machado da Silva no Correio do Povo. É seguramente o colunista mais inteligente do RS e um dos cinco melhores do país. (E desafiando o Estado mais conservador.)
E a legião de imitadores do Idelber já está ficando pentelha.
Bye.

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O PROCESSO PENAL E OS LEIGOS

UMA VEZ, QUANDO TERMINEI uma exposição sobre uma breve história da política criminal nos últimos três séculos, afirmei aos meus alunos: "o Direito Penal é o primeiro filtro da política criminal; o processo penal, é filtro do próprio Direito Penal. Dessa forma, se vocês quiserem apanhar na vida, é só estudar processo penal". O processo penal é o lugar do cara chato, daquele que, quando todo mundo está feliz, vai lá e fala: "pera aí, não é bem assim". [Aliás, já escrevi por aqui sobre isso.]
Infelizmente, o processo Dantas e a postura de Gilmar Mendes têm desencadeado uma torrencial chuva de opiniões que comprovam o que eu disse.
Quem tinha dúvida de que Maria Lúcia Karam, em velho artigo lá dos anos 90, estava correta ao anunciar a vinda de uma "esquerda punitiva", hoje não tem mais dúvida. Karam define essa esquerda como um puro mimetismo da direita penal, só que alterando seus objetos. Os alvos seriam a criminalidade de colarinho branco, aquela que atinge movimentos sociais e o chamado "crime organizado". A política é a mesma da "Lei e Ordem", mas com sinal invertido. Penas duras, processo sem garantias, combate à impunidade e terrorismo penal.
A Internet tratou de potencializar esses efeitos a partir da proliferação de blogs leigos em Direito que resolvem "dar lições" sobre os "erros" do STF. A maioria desses blogs, diga-se de passagem, é de esquerda e muitos são intelectuais de gabarito, mas sem formação jurídica. Quem me conhece ou lê o blog sabe que não é do meu feitio reivindicar títulos, porém é óbvio que, quando nos aproximamos de uma disciplina estranha, temos que andar como se estivéssemos em uma sala de cristais. Eu não vai sair por aí ensinando psicánalise aos psicanalistas. Pode até ser que alguma coisa eu possa saber. Mas vou ter muito cuidado quando debater com alguém que estuda aquilo toda vida.
A "esquerda punitiva" está irritada. Não gostou das decisões do STF que liberaram Dantas (e creio que a decisão de soltura estava equivocada mesmo, já escrevi sobre isso aqui), da que veta a "execução provisória" ou da que garante acesso aos autos do Inquérito ao advogado. Parece brincadeira, mas não é. A esquerda se sente à vontade próxima do inquisitorialismo, desde que seja um inquisitorialismo "contra os ricos", ou "em nome da igualdade". Essa ojetiza pelos advogados, p. ex., é típica dos inquisidores. Como alguém que se pretende libertário pode repudiar que alguém tenha plena possibilidade de defesa em um processo?
Minha explicação: não sabem do que estão falando. Não têm noção do que está em jogo. Ou seja: falta cultura jurídica mesmo. Falta entender por que o processo penal é assim ou assado. Bem intencionados blogueiros me afirmavam: "eu concordo com as garantias, mas tem que ser harmonizado com o interesse social". O que significa isso em processo penal? Eles sabem? Não sabem. Não sabem que o processo penal só existe para limitar o poder punitivo. Se não for para limitar, não precisa de processo penal, bastaria um inquérito assinado pelo Protógeres. Por que, então, processo? Ora, é pro causa do princípio ÉTICO que é convertido em jurídico e chamamos de presunção de inocência. Na dúvida, vale mais a pena soltar culpados que prender inocentes. No inquisitorialismo, a máxima é invertida: vale mais prender culpados. Ou seja, melhor um inocente preso que um culpado solto.
[Aliás, muitos gostariam - ou não têm - dúvidas. Eu TENHO dúvidas. Confesso. Prefiro duvidar que estar cheio de certezas definitivas.]
Será que o pessoal da esquerda punitiva está pensando nisso? Não creio. Acho que muitos deles não entendem o que está em jogo por falta de informação mesmo. E, depois de informados, é por teimosia e um pouco de vaidade também. Desconfie: quando o blogueiro jamais admite equívoco, é porque ali tem um problema. Será que os blogueiros sabem que "execução provisória" é um contra-senso no processo penal, já que o tempo não pode ser restituído e por isso não existe "provisória"? Será que eles sabem que 95% dos que estão presos não são de colarinho branco, mas pretos e pobres? Será que eles sabem o que significa "trânsito em julgado"? Será que eles leram alguma coisa de processo penal para entender que o avanço da presunção de inocência é algo positivo, e não uma "invenção brasileira" que não segue os outros países? Será que eles sabem que, em termos de processo penal, a Europa não está muito melhor que o Brasil? [Dois exemplos - aqui e aqui - estou na caixa de comentários].
Mas tu já não escreveste falando mal do Gilmar Mendes e do caso Dantas? Não escreveste falando das algemas, da seletividade, do estado de exceção? Sim, escrevi e reitero. Só que a reinvidicação punitiva desses setores não tem NADA a ver com o que eu escrevi. Minha preocupação é com os párias sociais que estão aquém do Direito. Eles estão preocupados com a legitimição do sistema punitivo. Eu, com a destruição. A seletividade para mim não pode ser simplesmente tomada como algo a ser corrigido com mais punição; e sim com a destruição do sistema punitivo. Eles querem corrigir o sistema punitivo; eu, destruir.
[Aliás, minha crítica ao garantismo é essa: o ideal não é limitar, mas eliminar mesmo o sistema penal.] Admito que estou tangencialmente o abolicionismo. Acho que o sistema penal não tem futuro mesmo.
A esquerda punitiva (imitação da direita "Lei e Ordem") não quer nada disso. Quer apenas descarregar seu ressentimento e povoar o imaginário esquerdista com seus "inimigos".

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terça-feira, março 03, 2009

PONDÉ E O VELHO "PONTO DE VISTA DE LUGAR NENHUM"

LUIZ FELIPE PONDÉ tem dado polêmico, como previsível, desde que começou a escrever na Folha de São Paulo. Primeiro foi Marcelo Coelho que o colocou, ao lado de Reinaldo Azevedo, JP Coutinho e Demétrio Magnoli, como "pessimista sombrio". Depois, Maria Rita Kehl comparou a atitude cético-desiludida com a "banalidade do mal".
Já disse por aqui que, apesar de discordar frontalmente de JP Coutinho, reconheço que ele representa uma "parcela inteligente" do pensamento conservador. O mesmo pode ser dito de Luiz Felipe Pondé. Bem diferentes de Reinaldo Azevedo, que não passa de jornalista ruim, pseudo-intelectual e pensador histérico de análises profundas como um pires. Pondé tem uma certa atitude spenceriana, cética, desludida, verdadeiramente "pessimista".
Ontem publicou na Folha um artigo intitulado "Blábláblá" em que ataca o relativismo cultural. Tenta provar que tudo não passa de baboseira e que as culturas não se equiparam. Leiam o texto e depois voltem aqui.
.....
Pois é. Me parece que há pelo menos quatro confusões nos conceitos de Pondé.
A primeira é acreditar que a antropologia cultural faz juízos de valor sobre as culturas que estuda. Interpretar ou, mais propriamente, traduzir uma cultura para outra não significa sinalizar sua superioridade, ou mesmo igualdade (do ponto de vista ético), mas simplesmente abrir a possibilidade de compreensão de um "mundo" (no sentido fenomenológico) alheio ao nosso. O relativista cultural, por isso, não está dizendo - e nunca li alguém que o tenha dito - que "tudo vale a mesma coisa, dependendo da cultura onde está inserido" [isso só é lido em livros de opositores dos relativistas que não os leram].
A segunda é que nem todo relativista cultural é contra a "contaminação". Ao contrário, a maioria pretende justamente o oposto: eliminar todo resíduo de "pureza" em qualquer cultura [na antropologia, por exemplo, Homi Bhabha, e, na filosofia, o SUPOSTO maior "símbolo" do relativismo: Jacques Derrida].
A terceira é que mesmo antropólogos que poderiam ser chamados de "polêmicos", como Lévi-Strauss, não estavam preocupados em afirmar que todas as culturas valem a mesma coisa, ou que todas estão certas, ou que todas devem ser toleradas, mas pura e simplesmente que cada cultura articula um sistema de crenças "racional", ordenado, estruturado. O objetivo é, portanto, desfazer o conceito de "bárbarie" como algo sem articulação, irracional - tudo que o pensamento europeu sempre tratou de colocar sobre "o Outro".
Quarto, e mais importante, é que subjaz ao artigo de Pondé a idéia de que ele fala de ponto de vista de "lugar nenhum", como se a "Modernidade" fosse mesmo "universal", quer dizer, não fosse simplesmente uma invenção ocidental baseada no esquema metafísico do contrato social e no discurso jusnaturalista. O "universalismo" que Pondé implicitamente opõe ao "relativismo" nada mais é do que uma invenção ocidental - ou seja, um etnocentrismo. Ou seja: os pensadores que procuram pensar a diferença cultural - mais amplamente, a alteridade - nada mais fazem do que mostrar o quanto é "pequeno" e "local" o relato megalômano iluminista que, na sua abstração formalista, se pretende não apenas universalizante, mas ainda capaz de julgar todas as demais culturas.
Melhor teria andado se tivesse acompanhado Richard Rorty naquilo que este chama de "anti-anti-etnocentrismo", ou seja, simplesmente reconhecer qualidades na cultura ocidental que o levariam a adotar essa e não outra. Rorty nega a possibilidade de uma "metacultura" capaz de julgar todas as demais, mas vangloria a tradição liberal por ser capaz de "abrir mais janelas" para a diferença de que outras. Por isso se diz "anti-anti-etnocêntrico".
Seria, pelo menos, mais humilde.

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segunda-feira, março 02, 2009

TABU E TABU INVERTIDO

A FILOSOFIA MUITAS vezes usa expressões estranhas, como a de "teologia negativa". Quer dizer: quando ao negar Deus (ou simplesmente um fundamento absoluto), se está afirmando um outro ("negativo"). Essa idéia do sinal invertido que simplesmente repete o outro ao contrário pode ser expressa, por exemplo, na esquerda punitiva, que repete a direita invertendo o sinal (quando li, n'O Globo, a entrevista de Fausto De Sanctis sobre o processo penal, enxerguei ali um torquemada de esquerda). Na política idem. E etc. Derrida nos ensinou que o importante não é apenas mostrar o lado marginalizado das oposições (bom/mau, feio/bonito, civilizado/bárbaro, etc.), mas descobrir uma espécie de "voz média" que, a rigor, desarticula toda oposição.
Bem, talvez seja - e é - louco o salto que vou dar, mas, vá lá: o Milan ameaça demitir Ancelotti. E, apesar de ser geralmente contrário à demissão de treinador, acho que faz bem. Ancelotti parece ter perdido o rumo e cada vez mais se mostra um técnico desorientado, perdido na escalação e dependente de jogadas individuais dos seus craques. [Aliás, eu já teria feito isso há mais tempo; não tenho antipatia por Ancelotti, mas também não o acho grande técnico.]
Qual é o "tabu invertido"? O senso comum aponta que é sempre o técnico que deve cair; a dissidência, que não. Nem um nem outro [dois lados da mesma moeda]. Os técnicos que duram longos anos se desgastam SIM com a equipe e perdem o controle do vestiário. E o que fazem, então? Simples: montam outro time. Vejam Alex Ferguson e Arsene Wenger, dois dos técnicos mais longínquos do futebol. Cansam de desfazer toda equipe e montar outra. Ferguson chegou a mandar embora Verón, Beckham, Nistelrooy e Keane -- todos praticamente a preço de banana, só para refazer a equipe.
Quer dizer: o desgaste ocorre com jogadores e técnicos juntos muito tempo, queira-se ou não. Chega uma hora em que o clube tem que escolher. Geralmente, é o técnico que cai [mais barato, afinal]. Para alguns especiais, é toda equipe.
Com o plantel atual, creio que renderia mais ao Milan trocar o técnico e substituir alguns jogadores em idade avançada demais para equipes de ponta. Feito isso, o time está pronto para levantar novos troféus.
[O mesmo jogo de oposição/situação se aplica à discussão retranqueiros X ofensivistas, que abordei há algum tempo por aqui.]

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INDÚSTRIA MUSICAL QUE SE FODA

VALERIA RECLAMAR da indústria musical SE ela já não estivesse com um câncer em estado avançado, que provavelmente matará o paciente em menos de 5 anos. A última medida é retirar a possibilidade de o usuário incorporar vídeos do youtube no seu blog.
Tão ridícula quanto o processo criminal contra usuários de mp3, a medida está destinada à ineficácia absoluta pela habilidade ímpar dos internautas de burlarem esse tipo de proibição.
E o artista? Bem, este continuará ganhando dinheiro com shows e poderá encontrar formas criativas e alternativas de receber pelo álbum (aka Radiohead).

Tudo isso para dizer que os Yeah Yeah Yeahs, como o Franz Ferdinand, botaram a mão nos sintetizadores nesse terceiro álbum ["It's blitz!"] e já nem parecem mais aquela banda punk-pauleira-com-vocalista-cadela-no-cio do primeiro álbum. Vale a conferida em "Zero". Basta clicar aqui.

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domingo, março 01, 2009

BURRADA SOBRE BURRADA

O TORCEDOR DO GRÊMIO teve uma sensação estranha no jogo da quarta-feira, quando recebeu um panfleto da Direção do Grêmio. Em pleno jogo da Libertadores, o panfleto pedia que os torcedores ficassem "sentados durante a partida", já que muitas pessoas "idosas" e "sem condições de permanecer em pé" poderiam não enxergar. COMO? É SÉRIO? Parecia brincadeira, mas não era. O Presidente pedia à torcida que ficasse SENTADA durante um jogo de Libertadores? [Leiam mais aqui nesse ótimo texto].
Sintoma do óbvio: essa Direção não tem nada a ver com o Grêmio. Pelo menos não com o Grêmio da Geral, da paixão tricolor, e sim com o Grêmio das cadeiras, da secação e da audiência sentada e passiva. As declarações do Presidente são seguidamente de constranger. Parece que ele não tem nada a ver com futebol. Quem sabe ele não volta pra as colunas sociais, onde estava melhor? Quando existe problema, ele começa de cima. E o grupo político do Presidente não traz boas lembranças [leia-se: FLÁVIO OBINO].
Mas o principal arquiteto do vexame do Beira-Lago foi o técnico Celso Roth. Roth não é burro, como pensam. Cansou de mostrar que sabe armar equipes. Nem defensivista. Várias vezes durantes os jogos empilha atacantes. Roth é, na verdade, CAGÃO. Tem MEDO. Medo de vencer. Como pode isso? Sei lá, pergunta pro Freud. Mas que é, é.
Você tem um time armado prontinho, que acaba de massacrar o rival mais poderoso do grupo na Libertadores, está entrosado e ainda conta com um rival desfalcado. O que você faz? Resposta: descaracteriza a equipe. Sim, pode parecer estranho, mas o medo de vencer faz com que o técnico - NÃO É A PRIMEIRA VEZ - dê de professor pardal nas horas decisivas. Para que pôr Diogo no meio-campo? Diogo é um jogador NO MÁXIMO regular, não é nem um graaaande marcador (se é pra ter ele, prefiro mil vezes Sandro Goiano) e o outro time estava com apenas UM armador e dois atacantes. Contra eles (sendo o armador ainda mediano), bastasse um volante e três zagueiros. O que faz Roth? Escala dois volantes, deixa Alex Mineiro isolado na frente e joga toda carga em Souza - que, por ser a opção ofensiva mais contundente, fica fácil de ser marcado individualmente - e Tcheco, que tem que carregar o mundo nas costas. É ÓBVIO que não ia dar certo.
No segundo tempo, você, depois de tomar um coro no primeiro sem qualquer razão e tendo equipe melhor, mantém a equipe. Até tomar gol. Aí você faz o que deveria ter feito desde o início: bota o Jonas. Mas o nervosismo e o MEDO faz com que você tropece: coloca também Fábio Santos! Para quê? Mistério! Depois de um tempo, vendo sua burrada, substitui Jadílson e volta ao estágio anterior, só que aí já queimou todas as substituições.
Roth não fez isso porque é burro. Fez porque tem medo. Tem medo nas horas decisivas. Treme. Sinceramente, boto minha mão na fogo: com Roth, o Grêmio não vai levar nenhum título. INFELIZMENTE. Torço como nunca para estar errado.

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